Ser esquecido é pior que a morte

O sol se punha à minha frente; meu rosto ainda estava molhado pelas lágrimas que desciam, descontroladamente, dos meus olhos.

O céu escurecia. Naquela noite, estranhamente, ele não possuía estrelas, estava vazio; como os meus olhos. O vento batia em meu rosto, enquanto eu encarava o infinito sombrio; quinze andares abaixo de mim, os carros e as motos corriam, furiosamente, pela rua.

O que eu via?! Apenas borrões; pareciam raios, passavam rapidamente pelo prédio no qual eu estava; as pessoas ali embaixo nem imaginavam que, na cobertura daquela construção, havia alguém.

Eu estava sentado na borda do prédio, minhas pernas balançavam sem ritmo algum. O sol já havia sumido, e a lua iluminava o céu, juntamente com algumas poucas estrelas.

Era estranho, muito tempo se passara desde o ocorrido, mas as lágrimas ainda insistiam em rolar dos meus olhos, eu os sentia inchar.

Minha vida não fazia mais sentido algum, e pra piorar, as palavras dela ainda ecoavam na minha mente.

– Você não é o cara com quem eu sempre sonhei... – parecia que ela falava ao meu lado.

– M-mas, você disse que me amava! – Eu ouvia minha própria voz.

As imagens se formaram na escuridão; eu estava revivendo aquele maldito momento.

Ela estava na minha frente, aquele olhar, frio, me encarou novamente, e as palavras voltaram a sair; secas.

– Eu achei que te amava – ela começou a rodear a sala do meu apartamento. – Mas, eu me enganei – as últimas palavras vieram acompanhadas de um sorrisinho sarcástico.

Uma faca foi enterrada em meu peito; meu maldito coração se rasgou, mas eu não senti sangue algum.

– Por que essa cara? – ela sorria.

–... – eu não tinha palavras.

– Ainda não entendeu, não foi? – ela caminhou, lentamente, na minha direção; e aproximou seu rosto do meu. – Você NUNCA significou nada pra mim! – Aquele sussurro fez meu coração apertar.

Eu quis morrer, mas algo me segurou.

– E-eu te amei tanto – minhas palavras quase não saíram.

– Mas eu não! – Ela era, ao mesmo tempo, fria e firme. – Era tudo mentira...

A imagem daquela mulher se desfez; agora, eu estava sozinho na sala, porém havia algo errado. Aquilo tudo não passava de uma lembrança, entretanto, eu deveria ter corrido atrás dela e não ter ficado parado, enquanto ela sumia da minha vida.

Caminhei em direção à porta, no entanto, mais uma vez, algo estava errado. Eu andava e andava, mas a distância entre mim e a porta era sempre a mesma; foi quando olhei para o chão e percebi que não conseguia sair do lugar.

– Ser desprezível... – uma voz, familiar, me assustou.

Eu fiquei paralisado; ainda encarava meus pés, agora, imóveis. Aquela voz me era tão familiar, eu já a ouvira tantas vezes; por anos, ela saíra da minha própria boca, mas naquele momento foi diferente.

Levantei a cabeça, e tomei um susto. A sala do meu apartamento transformara-se em uma sala de espelhos... Havia algo muito estranho naquilo.

Eu estava rodeado por uma porção de placas de vidro refletor, mas nenhum deles me mostrava meu reflexo. Sim, de fato eram espelhos, pois eles refletiam uma pequena mesa que havia no centro da sala – a única parte iluminada do local.

Foi quando algo realmente estranho aconteceu. Um dos espelhos, o que estava à minha frente, exibiu meu reflexo.

Eu me fitei.

– Idiota! – O meu reflexo levantou a voz, e eu dei um pulo para trás.

Ele começou a sair do espelho; sua voz era a minha... Aquilo era eu, e eu era aquilo, mas de um jeito diferente.

Suas feições diferenciavam-se das minhas; seu olhar era, ao mesmo tempo, frio e sombrio; sua voz, mais áspera e seca.

– Q-quem é você? – Indaguei confuso.

– Eu sou você... – o reflexo – que não era mais reflexo – respondeu, enquanto caminhava na minha direção.

– Mas... – comecei, porém ele me interrompeu.

– Shiii! – Meu outro “eu” chiou, levando o dedo indicador à boca.

Eu apenas o fitei.

– Hahaha! – Ele começou a gargalhar, e isso me incomodou.

– O que foi? – perguntei com grosseria.

– Você! – Ele mudou. – Tão ingênuo e idiota...

Agora eu me via sendo rodeado por mim mesmo, o que era muito esquisito.

– Cai na real – eu pisquei e, ao abrir os olhos, vi meu rosto à minha frente.

Dei um pulo, de susto, e ele continuou.

– Ninguém te ama! Se toca!

Era como se uma faca tivesse atravessado o meu coração; eu tremia da cabeça aos pés e ele parecia gostar daquilo.

– Você não significou nada pra ela... – eu me ajoelhei com lágrimas nos olhos, mas ele continuou. – Você foi um nada, enquanto ela... Foi TUDO pra você.

– Pare! – Eu implorei.

– Você é uma piada – Ele se aproximou do meu rosto. – Mas eu posso ajudá-lo.

– C-como? – Ergui a cabeça, esperançoso.

– Simples – ele disse, dando novos passos. – Ponha um fim nesse sofrimento... Morra!

– NÃO! – Levei as mãos à cabeça, a esperança tinha ido embora.

– Vai ser tão fácil, veja – ele estava parado em frente à mesa, olhando para cima.

Eu olhei também, e percebi que ali havia uma corda amarrada ao teto.

– Não... – falei determinadamente.

– Eu quero ajudá-lo – seu sarcasmo me irritou.

– Não, não, não e não! – Eu me levantei, e dei um salto na direção dele.

Meu punho teria se esmigalhado contra o seu rosto se eu, estranhamente, não o tivesse atravessado.

– Que pena... – ele falou com uma voz melosa, enquanto me erguia do chão pela gola da camisa.

Aquele maldito ser desferiu em mim um soco na barriga; aquele era um soco diferente.

O golpe não afetara em nada o meu corpo, mas destruíra completamente a minha alma.

– Eu sou inútil – tive que admitir.

– Venha comigo – sua mão foi erguida para mim, e eu, inconsequentemente a segurei.

Tudo se dissolveu.

– Onde estamos? – perguntei, ao abrir os olhos.

– Não reconhece esse lugar?

Eu olhei em volta, o sol clareava ambiente, a paisagem era linda, mas algo fez meus olhos soltarem lágrimas.

– Lindas, não é? – ele perguntou.

– E-essas são...

– Sim, lápides... Dos seus pais, para ser mais exato – ele riu.

A ficha caíra. Eu estava no lugar que visitara por anos, o cemitério onde estavam enterrados os meus pais.

– Porque me trouxe aqui? – eu chorava.

– Não percebeu? Você não tem mais ninguém – o desgraçado preferiu as palavras, e elas me atingiram com um imenso impacto.

– E-eu... – realmente eu não tinha mais ninguém, a última pessoa a me abandonar havia sido ela.

– Venha – ele ergueu a mão.

Eu a segurei.

Foi o pior momento da minha vida; naquela hora, um flashback passou na minha cabeça.

Eu me lembrei da quantidade de vezes que alguém me abandonara; a quantidade de vezes que eu fora chamado de idiota.

Eu não dei valor a muitas pessoas importantes que me apareceram, e agora, eu estava sozinho no escuro.

– Você não sobreviverá com essa depressão – minha voz foi ouvida mais uma vez.

Eu abri os olhos.

O vento batia em meu rosto, fazendo meus cabelos voarem...

Vento idiota! Cabelo idiota! Vida medíocre! Nada mais fazia sentido...

– Você está no topo...

Eu olhei para baixo, só agora eu percebera, estava no prédio de quinze andares, no qual morava. O céu noturno era iluminado pela lua, e por poucas estrelas.

– Agora, se joga! – Ele continuava incentivando-me.

A vida não tinha mais sentido algum, seria melhor acabar com tudo, do que vivê-la de maneira vazia.

Eu não queria, mas a coisa dentro de mim era mais forte. Fechei os olhos e vi meus pais; meu sorriso era tão inocente ao lado deles, porém, a imagem se foi e eu encarei a realidade. Estava disposto; havia tomado a decisão mais difícil, e triste, de toda a minha vida. Morrer.

Dei um passo à frente, ficando na borda do prédio; e olhei para trás, ele apenas balançou, positivamente, a cabeça, e eu pulei.

Ele caiu comigo, sorrindo.

– Abra os olhos, garoto... – a sua voz saiu triste, pela primeira vez.

Eu achei estranho; pensei que estava acordado, mas abri os olhos – como ele havia mandado – e notei que a imagem dele havia sumido. Eu estava só, e o pior, estava indo de encontro à morte.

Eu sei que aquela rua, agora movimentada; aquelas luzes; aqueles carros e pessoas; aquela calçada... Será a última visão da minha vida.

Que pena, é tão tarde para que eu me arrependa... O mínimo que eu posso fazer é deixar algumas palavras...

Aprenda a dar valor àquelas pessoas que lhe transmitem o mesmo tipo de valor; na maioria das vezes, nós só damos valor àquilo que já perdemos... Por isso, não deixe oportunidades únicas passarem. Sorria, e viva sempre, e incondicionalmente, feliz.

O chão está próximo... Meu tempo; minha felicidade; minha vida... Tudo acabou, e eu já consigo ver a calçada se aproximando demais de meu rosto, estou caindo de cabeça, mas, antes do fim... Falarei algo do qual eu me esqueci... Meu nome é Leo, e a minha última pergunta é: será que eu morrerei feliz, e em paz...?

“Porque ser esquecido, é ainda pior que a morte”

LF Oliveira
Enviado por LF Oliveira em 12/01/2011
Código do texto: T2724958
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