A Lixeira do Prédio
Informação inútil: Essa não é a versão original do conto. A versão original está morta. Eu escrevi ela diretamente na página do Recanto das Letras, mas quando foi enviado deu erro e eu perdi simplesmente tudo que tinha escrito, sem chances de recuperar. O texto a seguir está com o pouco que me lembro da história, pois eu a reescrevi de memória, mantendo sua essência principal.
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Oi, meu nome é Vivian. Tenho onze anos e moro nesse mesmo prédio desde que nasci. Aqui é um condomínio, então, como vocês já devem saber, todos os meus amigos moram perto. O lado bom de morar em condomínio é que você acaba conhecendo todo mundo e sempre terá vários amigos em cada prédio. Ou não, né. Tem uma menina aqui, do bloco 18. O nome dela é Késia. Até o nome dela é esquisito, coitada. Ela é meio estranha. Nunca vimos ela com ninguém. Eu até chamei ela algumas vezes pras minhas festinhas no play, mas ela nunca veio. Enfim, eu nunca quis mesmo, minha mãe que me obrigava.
Fora a estranha da Késia, tem outra coisa esquisita em nossa área. É a lixeira do 10º andar, do bloco 01.
Aqui temos muitos blocos, pra falar a verdade eu não sei quantos. Cada prédio tem 10 andares. O bloco 1 é o mais distante (e caído, diga-se de passagem). Eu acho que foi o primeiro a ser construído, pois está caindo aos pedaços e, tipo, ele fica quase que encoberto pelas árvores. Tem uma área aqui meio florestal no condomínio. É até bonito, sabe. Mas é meio macabro quando estamos lá dentro. A luz do sol quase não entra. Só dá pra ver do 5º andar pra cima. É meio sinistro.
Os garotos sempre fazem apostas imbecis pra ver quem tem coragem de ir lá e tal. Quem for sozinho, de noite, e voltar com tudo filmado no celular é quase que um herói. Mas tem que ir de escada, né. De elevador não vale. As escadas lá são tudo sujas, tem lodo, chega a dar nojo. Eu não sei como tem gente que mora naquele prédio. Enfim...
Eis a lenda: dizem que um cara matou a esposa e a filhinha de um ano lá, e depois jogou os corpos na lixeira do décimo andar. Tudo bem que é uma lenda, cara. Mesmo assim é assustador. Sabe aquelas lixeiras de prédio? São cheias de ratos, baratas e têm um cheiro horrível.
O que a galera estava planejando era dar um "susto" na Késia. Talvez por ela ser tão esquisita, ou sei lá por que motivo. Enfim, eu não posso negar que gostei da idéia, pois era engraçado.
O plano era o seguinte: A mãe da Késia vendia slagadinhos. Sabe, daquelas coxinhas e tal? Então, eu nunca comprei, mas diziam que era bom. Enfim, a Késia era quem entregava os pedidos nos prédios do condomínio. Sempre a víamos carregando aquelas sacolas com salgadinhos embrulhados.
Os garotos pensaram em fazer um falso pedido para o bloco 01. Adivinha em qual andar? Isso mesmo! No décimo. A idéia era trancar ela lá dentro da lixeira. Isso foi num sábado à noite, mais ou menos umas dez horas. Eu fiquei com um pouco de pena dela, mas não podia demonstrar pena da estranha, porque se não eu é que ia ser zoada.
Foi tudo armado. Ficamos escondidos nas escadas de emergência. Eu rezei pra que nenhum morador aparecesse, mas ninguém apareceu. Késia saiu sozinha do elevador, carregando a sacola com os salgadinhos. Ela usava um vestido azul horrível, que nem ela. Tá, na verdade ela era bem bonita, sabe? Tinha cabelos loiros e olhos claros. Mas ela se vestia mal e andava feito uma retardada.
O corredor estava bem escuro. Tinha só uma daquelas lâmpadas brancas, sabe? Então, bem vagabunda mesmo, quase não iluminava nada. Késia seguiu até o suposto apartamento. E tudo aconteceu muito rápido depois.
O pessoal agarrou ela com força, tamparam sua boca com um pano, e a arrastaram até a lixeira. Gente, era só pra dar um susto, e não pra espancar a garota! Em seguida trancaram a porta da lixeira com o trinco. Eu reclamei com os garotos, mas nesse momento todo mundo correu, pois o elevador tinha chegado. Eu corri também, é claro. Descemos as escadas de emergência varados.
Ela gritava muito, eu nunca vi aquela garota tão assustada. Ela se debatia feito uma louca, desesperada. Alguém ia ouvir, estávamos ferrados.
Mas ninguém ouviu.
Voltei pra casa. Minha mãe estava preocupada, é claro. Meu pai tinha desaparecido. Devia ter ido atrás de mim, eu ia levar um esporro daqueles. Sem falar que eu estava morrendo de pena da coitada da Késia.
Cara, eu não consegui dormir naquela noite. Me revirei na cama a madrugada toda. Passei a noite em claro.
No dia seguinte era a notícia do condomínio. Ah, é! Esqueci de falar o lado ruim de morar em condomínio. A fofoca corre solta, e em menos de uma hora todo mundo já sabe dos fatos. É incrível, acho que é mais rápido que o Twitter.
A notícia era que uma menina tinha sido encontrada morta no bloco 01, na lixeira do décimo andar. Cara, era a Késia! Eu não podia acreditar! Eu tremia da cabeça aos pés. Aquilo não podia ser verdade. Disseram que foi encontrada com sinais de espancamento e estupro violento. Depois seu corpo foi jogado na lixeira.
Jamais encontraram o assassino.
Meu, eu não comi, nem dormi por muitos dias. O peso na consciência é uma dor que não tem como explicar. E eu também não falei nada sobre aquele dia, é claro. Ninguém falou. Pra dizer a verdade todo mundo se afastou. A galera toda estava estranha. Ninguém saía mais. Todo mundo se isolou, não havia mais um grupo. O assunto tinha morrido, mesmo assim estava vivo dentro de cada um de nós.
Passaram-se dias. Semanas. Meses.
O caso foi esquecido, assim como todo e qualquer caso sensacionalista.
Mas eu não esqueci.
Foi num sábado à noite que fui jogar o lixo fora. Na lixeira do meu prédio mesmo, lógico. Eu entrei e não percebi quando a porta bateu. Droga! Tentei abrir, mas estava trancada. Aquilo me deu muito medo. Larguei a sacola de lixo e comecei a gritar, esmurrando a porta. Tinham várias baratas andando pelo teto. Eu gritei, pois sabia muito bem o que eu temia. No fundo todos nós sabemos, não é verdade? Nós apenas fingimos que não sabemos pra não sentir mais medo. Mas a verdade é: eu temia ver a Késia ali. Viva. Ela iria me machucar.
Foi quando alguém apareceu. Saiu de dentro (sim, de dentro) da lixeira. Era um homem alto e forte. Me olhava com interesse, como se me comesse com os olhos. Eu estava tão apavorada que não conseguia gritar. O medo paralisa as pessoas.
Ele se aproximou um pouco. E assim que chegou embaixo da lâmpada, pude ver seu rosto. Desmaiei na hora.
A última coisa que eu disse na vida foi:
- Pai?