Surpresa No Réveillon
[Inspirado numa história real]
O vinho estava na última gaveta da geladeira. Agachou-se de joelhos e puxou a garrafa com leveza. Olhou-a com um olhar admirado e suspirou.
Feito isso, levantou-se e foi até a sala. Estava sorrindo quando se aproximou dos demais. Na sala, sua futura esposa conversava com o padrinho de casamento que eles escolheram. Chamava-se Guido e era chefe dela. Tereza era muito grata ao seu chefe, pois ele a tirara de uma depressão dando a oportunidade de ingressar em outro setor da empresa. Os pais do casal também estavam na sala e assistiam à um show de axé enquanto esperavam pelos vinte minutos que faltavam para a meia noite.
Rômulo pegou a garrafa de vinho e entregou a Tereza, beijado-a nos lábios logo à seguir. Ela sorriu e virou-se para Guido.
-Filho, que surpresa é essa que você tanto falou no convite, hein?Estamos curiosos!- perguntou dona Fátima, que do alto de seus sessenta e dois anos, ainda exalava um ar jovial.
-Calma, mãe. Tudo ao seu tempo. A surpresa vai ser incrível! Aproveitem o vinho!
As conversas eram variadas no momento. Enquanto os mais idosos listavam as doenças das quais haviam se livrado no ano que se passava. Os jovens faziam planos para o carnaval seguinte, para os feriados, e até mesmo para o final de ano dali há um ano.
Ao todo havia umas dez pessoas na sala do apartamento. A janela estava aberta e era possível ver o mar da praia de Copacabana. Muitas pessoas se amontoavam na praia. E era possível ver o palco, aonde a bateria de uma escola de samba tocava um samba enredo antigo, mas que animava a multidão.
-Faltam dez minutos!- avisou Rômulo sentando-se ao lado da esposa e entregando-lhe uma taça de vinho, e ficando com a outra.
-Estava falando aqui com a Tereza, Rômulo. Se vocês quiserem passar a lua-de-mel de vocês lá na minha fazenda em Lavras, em Minas Gerais, vocês não pensem duas vezes. Podem ir que meus empregados irão os tratar como se a fazenda fosse de vocês. - disse o chefe em tom amigável, e sendo acariciado nas mãos por Tereza enquanto ela dava o primeiro gole na taça.
-A gente já combinou de irmos para Cabo Frio mesmo. Acho que vai ser bem bacana.
-Não se preocupem com despesas, você não irá ter nenhuma dentro da fazenda. – insistiu Guido sorrindo para Rômulo, mas não sendo correspondido.
-Faltam sete minutos!- avisou Seu Valdir, pai de Tereza, que fumava um cachimbo de cheiro desagradável na janela.
O marido de Tereza se levantou e foi para o centro da sala.
-Bem, vocês devem estar curiosos para saberem da surpresa que falei durante o mês de dezembro inteiro né?- perguntou ele, e após receber o assentimento de todos, continuou. – Pois então. Eu estou muito feliz que irei casar em fevereiro com a Tereza. Todos aqui sabem o que eu tive que passar para conquistar essa mulher...
Tereza sorria e encostava sua cabeça nos ombros de Guido.
-Foram dias de insistência, dias de conversas, de presentes, até que ela aceitou... Me dar a mão.
Todos sorriram.
-Mas hoje... Bem, hoje a surpresa tem a ver com essa nossa relação linda que temos por mais de seis anos. Todos nos acham um casal modelo, e de fato somos, digo, não somos modelo de nada, mas acho que transparecemos muito bem o que sentimos um pelo outro. E tenho certeza hoje, que ela é a mulher qual viverei eternamente, ao meu lado, e além dessa vida.
A mãe de Tereza começou a chorar. Muito emotiva, chorava até com comercial de margarina.
-Então hoje, para surpresa de todos...
-Faltam dois minutos... -informou o pai de Tereza novamente, enquanto tentava reacender seu cachimbo.
-Enfim, sendo o mais sucinto possível... Eu hoje quero mostrar a surpresa que programei especialmente para essa noite...
•
[Durante o mês todo de dezembro Rômulo andou estranho. Seu comportamento não havia mudado drasticamente, porém ele estava estranho de algum modo. Tereza não sabia por que, e quando perguntava sobre, Rômulo desconversava e dizia que era impressão da esposa. Sempre fora um rapaz brincalhão e sorridente, e mesmo estranho, continuou sendo. Mas não tinha como definir porque, ou que tipo de mudança tinha nele.Algo estranho de se explicar, mas que era justamente o que ocorreu durante todo aquele mês.]
-Faltam dez segundos!- gritou a mãe de Tereza se levantando e indo para a janela.
-Enfim... Eis aqui a surpresa... Vou buscá-la.
Enquanto ele se ausentou indo até o quarto, os presentes começaram a contar com o locutor da televisão, e olhar para a praia de Copacabana lá embaixo, onde um show de luzes e explosões estava prestes a acontecer.
-10!
Rômulo entrou no seu quarto e se sentou por alguns instantes na sua cama de casal.
-9!
Levou as mãos ao rosto e esfregou-as contra seus olhos, e depois as esfregou uma na outra.
-8!
Levantou-se e olhou pelas grades da janela, suspirou e sorriu.
-7!
Abriu o seu armário e outra vez se ajoelhou.
-6!
-Abriu a gaveta e retirou um pano preto que parecia enrolar algo.
-5!
Desenrolou o pano e fechou os olhos.
-4!
Foi rapidamente até a cozinha sem deixar que ninguém na sala o visse. Abriu a geladeira e deu um gole em uma lata de Coca-Cola meio vazia.
-3!
Foi até a sala lentamente e parou de frente para as pessoas que estavam na janela só que de costas para ele.
-2!
Se aproximou das pessoas que estavam pulando de alegria.
-1!
Chamou pelo nome da esposa. Ela se virou. Houve um silêncio.
-FELIZ ANO NOVO!-Gritaram todos.
Os estouros dos fogos iluminaram a casa e as faces das pessoas na varanda. Todas se amontoavam para ver os desenhos que se formavam no céu. Naquele instante todos olhavam para o céu. Faziam pedidos e até repensavam suas atitudes no ano que havia passado.
Porém no décimo andar de um dos prédios, a varanda estava vazia. Pois as pessoas encaravam três corpos ensaguentados no chão. Tereza, Guido e Rômulo. Todos mortos. Ela com dois tiros no peito esquerdo. O padrinho com dois tiros no peito e um na barriga. E o noivo com um tiro na boca.
Os familiares não podiam negar que estavam realmente surpresos.
•FIM