O vôo dos anjos
Bom da cabeça na verdade ele nunca o fora. O Wladimir desde moleque foi sempre meio esquisitão. Tinha umas conversas meio sem pé e sem cabeça e que em consequência disso a sua integração com o resto da turma se tornava dificultosa.
Um dia, sem mais nem menos, como já lhe era de costume, chegou dizendo que tinha aprendido a voar. Um anjo lhe aparecera em sonho e prometeu-lhe esse poder. A princípio não lhe deram muito atenção, até que de tanto insistir com aquela conversa abestaiada o pessoal começou a zombar dele.
O Wladimir já não se importava mais com as gozações. Já se acostumara com aquilo. Desde moleque que ele era tido como o bobão da corte. Tudo que falava ou fazia era motivo para chacotas.
Sua mãe morrera quando ele tinha ainda três anos de idade e desde então passou a ser criado pela sua avó materna. Seu pai, um beberrão inveterado, vivia jogado pela rua feito molambo. Até que em uma madrugada fria e nevoenta de junho encontraram-no morto próximo de sua casa.
Para o Wladimir, ou Wladinho como a sua avó costumava lhe chamar, a vida nunca lhe fora muito favorável. De aparência feia e sem quase nada a oferecer foi sempre rejeitado pelas meninas do bairro. O pobre infeliz até que tentou arranjar uma namorada, todavia sempre que se engraçava com alguma garota a mesma não lhe correspondia, e no fim, como já era de costume, acabava virando alvo de humilhações.
E agora aquela conversa chata de que havia aprendido a voar já estava incomodando a todos. Ele não tinha outro assunto. Era sempre a mesma conversa. Um anjo lhe aparecia em sonhos todas as noites e lhe dizia que ele fora escolhido por Deus para ser o seu mensageiro entre os homens aqui na terra, e que por isso dar-lhe-iam o poder de voar.
Em um domingo pela manhã, logo depois da missa, quando o pessoal ainda estava papeando ali pela Praça da Matriz, o Wladimir subiu até a torre da igreja e prostrou-se em pé sobre o parapeito que rodeava o campanário. Ficou ali um bom tempo observando as pessoas lá em baixo, até que alguém percebeu e gritou desesperado:
----Meu Deus do céu! O doido está querendo se jogar lá de cima!
Imediatamente os olhares voltaram-se para ele. Lá estava o Wladimir em pé, sobre o parapeito da torre e ameaçando se jogar daquela altura enorme, certo de que sairia voando.
----Desce daí seu maluco! Está querendo morrer? –Gritava um.
----Pelo amor de Deus, não faça isso não meu filho! –Gritava outro.
A praça virou um pandemônio dos diabos, com todo mundo gritando desesperado para que ele desistisse daquela idéia maluca. Porém o Wladimir com um sorriso enigmático no rosto, e sabendo mais do que ninguém que ele podia voar, foi soltando as mãos bem devagarzinho, e pendendo o corpo todo para frente veio voando, voando, quase que em câmera lenta até chocar-se contra o chão. Por alguns instantes sentiu o corpo todo adormecido e ao abrir os olhos avistou ao seu lado um lindo anjo de olhos azuis e cabelos dourados esticando-lhe as mãos e convidando-o a voar. Wladimir sentiu uma sensação maravilhosa atravessar-lhe o corpo por inteiro. Levantou-se com suavidade e percebeu que ele , assim como o anjo, também estava voando. E de mãos dadas os dois subiram aos céus e viraram mil cambalhotas por entre as nuvens como se fossem duas crianças desajuizadas.
Entorpecido, e completamente embriagado pelo néctar daquele momento mágico nem se apercebeu que lá em baixo uma multidão enorme de curiosos rodeavam perplexos um corpo sem vida estatelado no chão, próximo a imagem de um querubim, que parecia olhar insistentemente para o vazio infinito do céu, sem dar a mínima atenção a tudo àquilo que estava acontecendo ao seu redor.