Quem é o Assassino da Capela?

As luzes da pequena capela ascenderam-se todas aos mesmo tempo, quando o arcebispo Torres, que viera diretamente da capital para acompanhar de perto o desenrolar daquele fato, que ameaçava desnecessáriamente a reputação da igreja naquela região, apertou o interruptor e caminhou lentamente, com as mãos unidas como numa prece, fazendo o sinal da cruz quando alcançou o altar e ficou de frente a enorme cruz pregada à parede.

Havia um lugar especial onde ficaria colocado o caixão da vítima e ele andara até lá para benzê-lo e abençoá-lo, antes que os familiares chegassem. Aos poucos, eles foram entrando e se acomodando nas fileiras de bancos. Alguns, ajoelhavam-se e rezavam por algo que permanecia apenas em suas mentes, outros, irrompiam em prantos pelas condições em que o crime se sucedera.

Torres acompanhava a movimentação dentro da igreja, em pé, no altar, observando, principalmente, aqueles que considerava serem os principais suspeitos. Como o assassinato se dera naquele mesmo altar, um dia antes, esperava poder notar algo suspeito em alguns daqueles que, presumidamente, ele calculava que teriam alguma razão para cometê-lo.

João, o padre daquela capela, entrara cabisbaixo, e sentara-se ao lado da cadeira de Torres, sem nem ao menos olhar para os presentes, que já ocupavam a maioria dos espaços vagos. Evitara de qualquer forma o olhar curioso e, de certa forma, desconfiado do Arcebispo, e sabia das suas razões para tal. Há um mês aproxidamente, recebeu-o em sua casa para que falasse sobre uma suspeita de que ele viesse mantendo relações íntimas com a jovem Ellen, uma jovem abnegada que decidira seguir a sua vocação espiritual, e acabara na cama de um padre e depois, num caixão.

O outro suspeito era Carlos, padrasto da vítima, que vivia pressionando-a a cerca de lhe dar dinheiro para sustentar o seu vício. Havia grandes chances de que ele tivesse entrado à noite na igreja e encontrado a jovem prostada ao chão, a rezar. Covardemente, ele poderia tê-la apunhalado e depois, jogado-a ao altar, como um toque final de extrema frieza.

Torres caminhava lentamente pela igreja, imaginando como poderia ter-se desenrolado aquele fato. Sentia que tinha um dever moral de ao menos tentar solucionar aquele caso, que acontecera sobre o teto de uma igreja e que, possivelmente, envolvia um jovem membro da congregação.

Olhou carinhosamente ao redor, irradiando amor e paz aos que necessitavam de um pouco de Deus e depois, andou em direção a João, que continuava a olhar para o chão, como que envergonhado por ter suncumbido aos seus desejos sexuais ou por algum fato mais recente, que o arcebispo parecia perto de descobrir.

-Como passou esta noite? - Perguntou ele, ao se aproximar do padre.

-Estou bem... Ela era uma boa jovem, uma boa amiga... - Disse o outro e enxugou algumas lágrimas.

-Estou certo que sim.

Torres andou em direção a porta da igreja, e encontrou um policial que ficara encarregado da investigação. Já não havia mais por que esconder o que sabia, não seria justo permitir que a igreja fosse penalizada por um ato criminoso e cruel, cometido no calor de um sentimento.

-Concordo, arcebispo. As suas conclusões corroboram perfeitamente com as nossas investigações, não há mais dúvidas. Temos provas suficientes para incriminá-lo.

-É uma pena que ele tenha se desvirtuado de Deus, mas tenho certeza que este lhe mostrará o caminho novamente. Faça o que for preciso, policial. - Disse Torres, e em seguida, virou-se para o altar.

-Sim, claro. Obrigado, Arcebispo.

A missa terminara em menos de uma hora e depois, todos encaminharam-se para o cemitério. Menos um deles, que fora barrado na porta e impedido de continuar. Já não havia quase ninguém lá e todos perderam de ver pessoalmente o fato que chocaria profundamente aquela cidade no outro dia.

O arcebispo foi o último a sair da igreja e antes de fechá-la e voltar para a capital, foi até a pequena sala onde ficavam guardados os pertences do padre e retirou uma faca de dentro de um baú médio. Nesse momento, o padre chegou para despedir-se dele e quase flagrou-o retirando a arma que usara para encerrar um fato que ameaçava destruir a reputação daquela pequena capela.

-Vim desperdi-me de você, arcebispo.

-Claro, padre, eu ia mesmo ao seu encontro depois. Então, ficou muito surpreso ao descobrir o assassino?

-Nem sei dizer o quanto esta revelação me chocou. Aliás, sempre soubera que Henrique havia sido namorado de Ellen, mas jamais imaginara que ainda a amava e que pudesse por ciúmes vir a matá-la.

-Sim, meu querido, tudo é possivel quando não se está no caminho correto.

-Peço desculpas por meus atos, de alguma forma, eles foram a razão de tudo isto estar acontecendo.

-Esqueça isso, não chegarás a Deus nunca se continuares a culpar-se por erros passados, mesmo que tão recentes.

Despediram-se rapidamente e logo que viu-se sozinho novamente, o arcebispo pensou em como havia sido fácil incriminar aquele pobre jovem, que estivera na hora e no lugar errado, facilitando exponenciálmente o seu trabalho. Guardou a faca em seu bolso e antes, fez o sinal da cruz ao sair da capela.

F W
Enviado por F W em 17/11/2010
Reeditado em 20/11/2010
Código do texto: T2619966
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.