NOVEMBRO

Oh, Novembro! Meu doce novembro!

Não é tão simples descrevê-lo como muitos outros o fariam, pois contigo estou no meu melhor e meu pior.

Era para ser o mês mais glamoroso dos quais passam por minha vida, e é, entretanto, se faz grande mistério em meu coração.

Nunca esquecerei o dia doze, dois dias ao meu aniversário, eu era tão pequeno e pouco compreendia as coisas em meu redor. Estava empolgado, sempre ficava quando o quatorze se aproximava, mas desta história só me restou o trauma, algo que fizera de mim uma pessoa apática, pelo menos quando chega meu aniversário.

Novembro é um mês incrível, é sempre calor, a vegetação está no seu magnífico da beleza, tudo tão verde, tudo tão vivo. Há animais para todo lado, como se comemorassem a minha chegada, gatos, cachorros, pássaros, borboletas...

... é um mês sem igual, todos estão sempre mais ansiosos em novembro, pois alguns estão em férias, outros para tirá-las, no Brasil, isto é motivo de muita ansiedade.

O ano era 1997, eu estava para fazer dez anos de idade, minha irmã (Elisa) tinha treze, ainda éramos muito jovens e com grande futuro pela frente. Minha mãe trabalhava em dois empregos, atualmente está aposentada de ambos, mas sempre fora uma mulher muito digna, trabalhadora, com marcas profundas de um passado pesado, uma infância amarga, extremamente pobre. Dividiu com seus dez irmãos a atenção de seus pais, por ser a segunda mais velha irmã da família, teve a responsabilidade de cuidar dos irmãos e ajudar minha falecida avó, outra pessoa que me traz grande orgulho ao coração, com os afazeres de casa.

Minha mãe foi funcionária de uma estatal por longos anos de sua vida, viu a empresa ser vendida aos gringos (a preço de banana) pelo então presidente do país FHC, ele que anteriormente era contra agora estaria a favor dizendo ser a única forma de tirar o país da lama, não estou aqui para falar de política, mas não seguro em mim nenhum tipo de apreço por ele.

Após a venda da tal empresa, a vida de minha mãe se tornou um quilo mais pesada pelo fado que já carregava: dois filhos, divorciada, sem auxílio algum de seu ex-marido, meu pai, tendo de trabalhar à noite como professora de inglês em colégio estadual. Nós sabemos a reputação dos alunos da noite, não que sejam todos, mas grande parte não tem interesse em aprender, apenas receber o canudo. Alguns são aplicados, por estes talvez valha a pena tentar ensinar, mas pelos outros, não há um mínimo gosto.

Minha família é um tanto complicada, tenho tios maravilhosos, um avô preocupado com o bem-estar de todos (não que isso tenha sido sempre assim), primos bem sucedidos e outros não, há dois que me orgulham muito citar seus nomes: Marília e Eduardo, sempre foram meus preferidos.

A Marília participou ativamente de minha vida, crescemos juntos, tivemos uma infância magnífica, ela sempre tão extrovertida e maluca, de vez em quando parecia menino, mas sua beleza feminina não deixava confusão, é minha prima mais bela entre tantas.

O Eduardo foi um primo que mesmo na distância sempre tratou a todos do lado de cá (Rio de Janeiro) com muito carinho. Sempre muito humilde, simpático a vida inteira, honesto, quando vinha para o Rio, era uma zoeira que só.

Marília atualmente mora em Goiás, é engenheira de alimentos. Eduardo, melhor dizendo, Dudu é professor de Educação Física assim como foi o meu avô e mora em Minas. Não sei é genético, mas o esporte está no sangue da maior parte dos familiares.

Tenho tios (não todos) psicopatas, no sentido mais ameno da palavra, conseguem ir de uma amistosa reunião de família a uma porradaria sem igual em questão de segundos, que triste!

Minha avó por muito tempo deu luz a esta família, agora espera-se ter encontrado a luz quando fez a passagem, tento acreditar que haja a tal luz, pois senão estou me esforçando a esmo aqui neste plano. Atualmente vivemos em grande discórdia, mas vivemos.

Naquele novembro em 97, minha mãe andava muito atarefada, vivíamos em uma casa duplex daquelas criadas pela caixa econômica, era uma boa casa, porém cara. Pagá-la não era fácil para minha mãe, foi uma vida de lutas, uma vida de muito suor!

Tínhamos de tudo um pouco, pois minha mãe fez das tripas um coração para nos dar conforto, então pudemos ter vídeo-game, uma televisão de vinte e nove polegadas, esta era recém chegada, muitos aparelhos eletrodomésticos cujo valor sentimental era inestimável, mas tudo ainda em carnê, porque vida difícil só pode almejar dívidas.

Naquela manhã aos doze de novembro, nós estávamos a fazer o cotidiano, estudávamos em escola pública, bem próxima de casa, e nos arrumávamos para ir assistir aula, minha mãe preparava o café, eram cerca de seis da manhã, a vizinhança ainda adormecia.

Como de costume, minha mãe abriu a porta traseira da casa que da cozinha dava para o quintal, não era uma casa grande, mas muito aconchegante. Eu estava na parte de cima da casa com minha irmã, já estávamos quase prontos, ainda a colocar os tênis. Então, ouvimos um grito muito alto, aterrorizante! Era minha mãe. Logo em seguida, os gritos estavam abafados como se houvesse algo tapando a boca dela, tão de início pensei minha mãe ter visto um rato ou coisa assim, corremos para a escada e estava ela subindo, havia um homem atrás dela, segurava sua boca e apontava uma arma para sua cabeça. Era um 38 prateado, parecia nova, não me lembro ao certo, mas daquele momento eu já percebia que o dia seria terrível.

Aquele homem se dizia ser um assaltante e tinha um comparsa, o outro estava mais atrás, subiu as escadas e estava declarado:

- É um assalto, ninguém aqui quer fazer mal, por isso fiquem quietinhos, vamos levar tudo e saímos! Dizia um dos criminosos.

Eles nos levaram ao quarto de minha mãe, fizeram minha irmã ir até o portão com um deles, abri-lo até que o outro colocasse o carro para dentro, não tenho bem guardado na lembrança, mas creio que seria um opala azul.

Depois obrigaram minha irmã a ajudá-los com as coisas que levariam ao carro. Eu estava em pânico, não conseguia falar uma palavra e só ficava de cabeça baixa, estava pleno de medo, não olhava nos olhos deles de forma alguma. Lembro de um ficar apontando a arma para minha mãe, o outro carregava as coisas com auxílio da minha irmã. Em um determinado momento, a minha ex-vizinha que também era nova, a Aline (hoje madrinha do meu sobrinho), mais velha que Elisa alguns meses, chamava-nos, como sempre fora, ao portão para irmos a escola juntos, foi neste momento o grande drama desta história.

Os bandidos passaram a apontar as armas que detinham para a minha mãe sentada na cama, chorando e bastante temerosa, mandaram minha irmã dizer que não poderíamos ir à escola hoje, tudo pela janela, Elisa o fez e Aline achava estranho isto, nós não costumávamos faltar.

- Por que vocês não vão, Lisa? Perguntou Aline.

Então minha irmã, com um trabuco atrás dela, de maneira que não daria para nossa querida Aline notar:

- Minha mãe está passando muito mal hoje, vamos ficar em casa! Disse Elisa com a voz muito trêmula. Aline mesmo sem notar o que realmente estava a acontecer, achou estranho e se prontificou a ficar também:

- Precisa de ajuda? Solidarizou-se.

- Não, pode ir, mesmo assim valeu! Despistou minha irmã.

Elisa estava pálida, parecia ter visto um zumbi, talvez outro destes monstros de filme de terror, até hoje fico me perguntando como conseguira ser tão corajosa num momento como o passado por nós, como ser tão forte numa hora em que seu corpo só quer um refúgio, sua alma parece estar distante de si.

Aline foi à escola, minha irmã terminou de levar as coisas ao carro, eles nos amarraram na cama de minha mãe, não com muita força, mas pediram para esperarmos saírem e poderíamos nos desamarrar. Era algo simbólico, para mostrar o controle deles sobre nós, então saíram.

Quando descemos as escadas minha mãe ficou aterrorizada ainda mais, quase tudo que havia lutado para ter, coisas que ainda estava a pagar, tudo fora levado.

Há um mero detalhe que não foi mencionado, segundo eles disseram, já conheciam a rotina de nossa casa, alguém que sabemos quem, havia dado todo o nosso cotidiano, um ex-namorado de minha mãe inconformado por minha mãe ter terminado com ele após saber que não prestava, não podemos culpá-lo, apenas desconfiar.

Talvez seja este meu trauma, não consigo manter-me em rotinas, gosto de estar sempre mudando, não me rotulo, não me prendo a ações costumeiras, apesar de pegar-me de vez em quando acomodado, procuro moldar-me a todo instante, tal fato fez de mim um ser inconstante, não vejo como coisa ruim, mas encontro os “porquês” da existência incomum.

Novembro não mais é o mesmo desde então, tenho temores quando chega próximo ao dia doze, estou sempre achando que algo ruim vai acontecer-me, algo que não posso prever, então fico aliviado quando o aniversário passa, meu maior problema é não curtir o dia quatorze da forma como deveria, aos demais dias vivo bem comigo mesmo, o doce novembro a mim pouco afeta, trauma é trauma, um dia eu supero.

Pandim
Enviado por Pandim em 10/11/2010
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