Amigo Antigo
Lizard estava quieta e no seu porto uma imensa lua brilhava, a Inglaterra estivera envolvida numa grande batalha que durara anos e agora seu povo estava frio e amedrontado. Naquele momento eu me inspirava com a bela visão que possuía do alto de um poste no qual eu me coloquei. A lua naquela noite era realmente bela.
Muitos marinheiros passavam sob minha sombra sem me notar, vinham de muitas direções e sem nenhum caminho certo, loiros, morenos, baixos ou altos, nenhum me interessava... nenhum me chamava. Uma senhorita - como seria chamada? - passou pelo outro lado da rua, seus olhos doces naquele momento estavam inchados... chorara. Ela tinha pressa e sob os braços havia um pacote, rezava baixo pedindo para que eu me afastasse. Relutante em deixar minha bela visão eu a segui.
Dobrava ruas de pedras úmidas, caminhava ao som de um bordel animado, cortou pequena ponte sob o esgoto de Lizard e finalmente chegou ao seu destino. Pequena casa cheia de rosas em seu pequeno jardim, era bela em sua estrutura de pedras brancas e essa certeza foi por mim registrada quando vi que do seu teto saía uma chaminé com grossas lufadas de fumaça branca a contrastar com o negro céu. Me conformei em perder minha bela visão da lua.
Mas minha atenção era novamente roubada pela moça de olhos doces que escondia seus cabelos sob um chapéu branco de laços azuis, ela adentrou a casa decidida como se já estivera ali muitas vezes... eu a segui. Ela estava trêmula e deixou cair o pacote e com uma exclamação de espanto recolheu brevemente seu conteúdo espalhado... eram remédios e bandagens.
Catherine - li seu nome em seus olhos - ergueu seu corpo depressa e eu pude sentir a sua hesitação no breve encontro de nossos olhos, pude também perceber a sua história... era ele que a levara até ali numa noite pós guerra. Arthur... sua preocupação, sua pressa, sua imprudência, tudo explicado.
Ela adentrou o quarto iluminado por um castiçal e Arthur gemeu o seu nome, havia uma mancha de sangue em seu peito e seus olhos estavam cerrados de dor. Ele a amava tal como ela também o amava, seus lábios se encontraram brevemente enquanto Catherine ajoelhava-se ao lado do seu leito com faixas e remédios em punho.
Como era imprudente aquele rapaz, não pude deixar de recriminá-lo, ele nem me buscara e já me encontrara... sim, ele teria de ser levado por mim. Virei de lado o meu rosto para contemplar a lua através das brancas cortinas, mas me sobressaltei ao sentir a curiosidade invadindo-me...queria esperar para entender os motivos.
Uma Mulher, dois homens... um, amor...o outro promessa... um velho triângulo que me rendeu muitas viagens... um velho amigo. Arthur e Catherine se amavam, mas ela, por força de tradição, deveria se casar com outro. Arthur não pode desistir ele teve que propor duelo... e teve que perder. Quanta imprudência...
Mas não estava ali para recriminá-lo, devia levá-lo... Catherine passou as mãos sobre a testa suada de seu amado e cuidou dele até quase romper-se a manhã, quando ele finalmente cedeu à morte. Estava ali pronta para levá-lo meus olhos eram curiosos ao mesmo tempo em que recriminadores. Ele era belo e jovem e não queria a morte, mas a encontrara.
- Bem vindo, Alanis de Louvain. Me apresentei.
- Você é um anjo?
- Alguns me chamam assim...
- Veio me levar? Para onde?
- Para um lugar agradável.
- Não me recrimines, vejo isso em seus olhos... Ao acaso pensas que sou débil ou desconheces a razão de minha morte?
- Não penses assim, conheço a tua vida e também a tua morte. Estás cansado, deves vir comigo.
- Claro...irei, mas não me julgues débil. A morte jamais me assustou, viver sem ela sim - Apontou-me Catherine que soluçava.
Não pude dizer coisa mais, levei-o comigo em silêncio, mas percebi que ele me escolhera no momento em que propusera o duelo. Não o julgo mais e nem o recrimino ao fim de tudo ele era jovem e sua vida não faria mais sentido sem o seu grande amor. Aceitei seus motivos como ele ao fim me aceitou como seu caminho.
A cada um, um destino... uma escolha.