A luz, o som, o medo.

A luz, o som, o medo.

Um homem debruça-se sobre uma mesa escrevendo em um papel algo que parecia indicar uma loucura muito profunda. Em seus olhos era possível ver a fobia de um vazio inexplicável. Algo que apenas este via e que parecia espreitá-lo. Este escreve veemente contornando as letras com traços rústicos. Seu olhar decresce observando o que escreve e sorrateiramente sobe observando a loucura que o intimida e que o faz suar frio como se apenas o ato de viver fosse proibido. Ele sente medo e emite de sua boca um som tenebroso como se uma brisa inexplicável cheirando a maldade percorresse toda espinha. Ele treme e já não consegue mais continuar a escrever. Pegando um envelope, coloca aquele pequeno pedaço de papel e fecha logo em seguida.

A música pára. Novamente aquela brisa, novamente aquele som tenebroso e a loucura começa a se aproximar. Ele se levanta rapidamente de sua cadeira e a derruba. Olha instintivamente para o que fez e trêmulo, volta o seu olhar para a loucura. Seus olhos arregalam-se e ele grita por um terrível medo que seca seu corpo. Um grito que talvez nem mesmo o pavor da morte eminente pudesse causar. Ele corre em direção à saída e percorre por um estreito caminho ate o portão principal. Sem pensar, não se lembra de guardar a carta no bolso, mas a segura na mão direita com tanta força que pareciam ser aquelas palavras sua ultima fonte, refugio e salvação. Ele corre pela calçada esbarrando nas pessoas e empurrando tudo o que estava em seu caminho. Corre rápido, mas o mal está mais perto do que se imagina.

O suor de seu corpo continuava a gotejar, pois corria amedrontado aquele homem desconhecido e em seu rosto, do sol de fim de tarde despontavam os últimos raios daquele dia limpo. Em uma cidade grande com altos edifícios que reverenciavam o mar, aquele pequeno ponto que ligeiramente podia se observar parecia, apesar de sua dor, saber para onde ia e a quem iria encontrar.

Uma praia, um coqueiro e uma mulher sorrindo.

Era o que estava sensivelmente desenhado em um quadro a beira do mar. Uma bela jovem posava imóvel para um rapaz desenhista que ambulantemente obtia certo sustento com seu talento.

- Ah... Ficou ótimo. Aqui está - Disse a jovem enquanto entregava quinze reais ao desenhista.

- Obrigado.

Ele guardou o dinheiro em um dos bolsos da mochila a qual ele também usava para carregar seu material de desenho.

Aquele desenho daquela mulher seria o primeiro que Jonas terminava naquela quinta-feira de trabalho. Mas outro cliente sentava agora para que Jonas formasse seus traços em um novo quadro. Alguém muito estranho por sinal, pensou Jonas. Sentou-se e segundos depois desviou seu olhar para o pôr-do-sol já tênue que finalizava seu ciclo naquele dia.

- Ele costuma chegar nessa hora - Disse o estranho homem que não conseguia ficar tão imóvel quanto Jonas queria.

- Senhor? - Jonas indagou por instinto.

- O pássaro. - Completou.

Jonas não entendeu, mas notou algo estranho naquele senhor de meia idade. Talvez por aparentar cansaço, também porque este não parava de desviar seu rosto de encontro a ultima luz emitido pelo tão comum sol, o que já estava incomodando Jonas.

Será que ele é alguma espécie de louco? Pensou Jonas. Por que ele não consegue ficar parado para facilitar meu trabalho?

- Senhor, será que o senhor podia tentar não se mexer muito? Preciso que o senhor olhe para mim, a não se queira fazer um perfil.

- Ah sim, desculpe, eu me distrai. Continue por favor.

- Tudo bem.

O quadro ficou pronto. Uma praia, um coqueiro e um homem sério, de olhar cuidadoso, deprimido, mas sarcástico.

- Aqui está senhor. Se não estiver satisfeito posso tentar mudar alguns aspectos.

Como mudar algo perfeito? Jonas, simplesmente, apenas usando a ponta de um lápis, transportou traços faciais que indicava com tanta certeza assim como se podia ver a realidade, o sumo de uma depressão, de um orgulho, e de uma compulsão em um homem desconhecido e enigmático em apenas um olhar, em apenas um papel.

- Não... Está maravilhoso - Disse o senhor do retrato.

Após pegar o quadro e pagar Jonas, aquele diferente senhor novamente se voltou para o pôr-do-sol, mas não o real, pois este já havia terminado e agora já era claro a visão da noite. Ele olhava para o pôr-do-sol gravado no desenho que Jonas acabara de fazer e inexplicavelmente sorriu pela primeira vez naquela tarde. Sem deixar de fitar seus olhos no quadro, naquele instante disse a Jonas: Preciso que me siga Jonas. Eu sei quem você é. Nós precisamos de você.

Jonas nada disse. Nada fez.

Naquele momento alguém passou correndo e esbarrou em Jonas deixando cair algo.

- Ei! Espere, você deixou...

Mas este já estava longe.

Jonas olhou para o chão. Era um envelope. Abaixando-se, pegou-o e olhando em volta tentou encontrar aquele senhor que a pouco estava ali, mas não teve êxito. Este sumiu em segundos.

Jonas sentiu um frio estranho e ficou quase um minuto parado olhando para o parapeito do barranco na encosta da praia que proporcionava uma incrível vista do mar. Sacudiu a cabeça tentando acordar desse transe esquisito que teve. Olhou em sua mão e novamente ficou em transe. No envelope estava escrito: Não terá volta. Não terá fim.

Continua....