O dia em que morri
Quando morri, era 25 de julho de 2052 às 18:30h no quarto superior de minha residência, onde ha alguns dias, aproximadamente uma semana, me encontrava acamado em decorrência de alguns infortúnios inerentes à própria idade (75 anos).
Como de praxe, minutos antes da chegada inevitável do capa de foice, recebi a visita já prevista e esperada do anjo revoltoso, que costuma fazer sem vacilar sua última investida. Para alguns, cristãos ou não, a última tentação.
Estava eu deitado, em meu leito último "de vida" tentando dar a minha respiração ofegante uma constância que parecia não conseguir mais apesar da insistência, quando alguém bateu à porta.
Fiquei animado, pois era um horário que não havia visita ou chegada prevista. Aliás, ele como sempre, procurando a melhor hora para suas empreitadas previamente calculadas e arquitetadas de forma a obter o resultado previsto, a receptação da alma alheia.
Minha secretária doméstica, surpresa pela visita inesperada, abriu a porta com rapidez e ao vê-lo, (alto, magro, cabelo grisalho, terno vinho, gravata roxa, chapéu de abas largas, negro com listas amarelas), estendeu-lhe a mão e elegantemente a cumprimentou com um sorriso intrigante e sarcástico no rosto, ao mesmo tempo que seus olhos em cor de fogo esbraseava.
Antes que ela dissesse ou esboçasse alguma reação, em tom baixinho pronuciou algumas palavras numa língua mirabolante.
O suficiente para ela desabar ao pé da porta deixando-a livre para a entrada do sinistro.
De minha cama assitia a tudo com uma naturalidade que surpreendia a mim mesmo. Acho que a idade traz a sabedoria e a tranquilidade necessária para lidar com situações inusitadas.
Ao se dirigir em minha direção, me cumprimenta inclinado-se e retirando o chapéu do qual escapou uma serpente pegajosa e escorregadia que se enrroscou em seu pescoço e respeitosamente me agradeceu pela hospitalidade.
E foi se justificando:
- Sabes o senhor que é minha missão visitar todos aqueles que no momento se encontram à beira da ponte para sua passagem deste lado para o de lá.
Balancei afirmativamente a cabeça como se estivesse aprovando sua atitude e "sinceridade".
- Portanto, tenho algumas coisas a serem esclarecidas. Isso irá facilitar tudo a nós: a mim e ao outro. E interrogou-me sem arrodeios:
- O senhor acredita em Deus e na vida após a morte?
- Respondi: - Com toda a convicção de minha vida... não... de minha alma... ( minha vida já estava no final) e respondi:
- Até a pouco instantes não... mas, depois que tu, a criatura mais desajustada do criador entrou pela porta, acreditei.
Ele desapontado deu um grito tão horrendo queimou-se dos pés ao último fio de cabelo e sumiu, deixando um odor de enxofre insuportável em todo o quarto.
Na sequência um cheiro agradável e suave de rosas envolveu-me e ouvi uma criança gorda, bochechuda e sorridente a me chamar.