Como o pescoço é frágil

Nem só a barata não justifica sua presença no mundo, existem seres ignóbeis que também não se justificam, são sobras, dejetos.

Ele, do primeiro andar, de onde morávamos, olhava para minha filha com olhares cúpidos, lascivos, cheios de malícia, contrariando os 16 anos que ela tinha. Eu, por outro lado, olhava também para ao corpo dele, mas procurando encontrar naquele monte de excremento, o seu ponto frágil, por onde a morte mais facilmente teria acesso. Sempre me procurei conter, mas a repulsa que ele me causava era mais forte, e a cada olhar dele, dirigido à minha filha, mais eram reforçados meus ímpetos.

Um dia, no supermercado, a besta não se controlou, esperou que ela passasse por um corredor vazio e a agarrou, e a tocou, e babou sobre ela, como só babam os anormais, deixando pelo corpo da menina um caminho de imundícies, que identificam um imundo.

Ela voltou chorando para casa e se meteu embaixo do chuveiro, como se a água pudesse lavar o asco que ela sentia. Foi difícil para ela revelar o que ocorrera, mas acabou contando, depois de eu ter jurado que não tomaria nenhuma medida violenta, o que não desfaria o que estava feito, e que tornaria público, o que ela queria esconder, conclui que podridão não se edita, talvez criando uma convivência menos conflituosa, as cicatrizes se fizessem menos aparente.

Depois de acertado que ninguém mais falaria sobre o fato eu o procurei, fui munido de toda calma que consegui reunir, e foi assim que apertei a campainha de seu apartamento, quando sabia que ele estaria absolutamente só, naquele momento. Ele abriu a porta e não sei se sorria, talvez minha ira tenha projetado um sarcasmo naquele rosto, mas me mantive impassível e lhe disse que a minha família nunca revelaria nada, a ninguém, sobre a atitude que ele tomara, em troca ele teria que jurar que nunca mais se aproximaria novamente da menina.

Ele não era primário, sua vida pregressa revelava incidentes desse teor, ele viu naquela proposta a oportunidade de se sair incólume do delito cometido.

Estendeu-me a mão, procurando selar o acordo, eu o cumprimentei e até lhe dei um tapinha nas costas, mostrando o quanto indulgente eu estava sendo, mas tive que me retirar imediatamente dali, antes que o vômito me acometesse.

Aquele encontro registrava um compromisso que só a morte poderia romper, e a morte tem pressa, o escorpião que deixei em sua gola, premeditadamente levado para o desenlace, acelerou os passos em direção ao pescoço, e como são mortais as picadas de escorpião naquela região tão perto do cérebro, ainda que eu duvidasse que ele tivesse cérebro

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 26/09/2010
Reeditado em 15/08/2018
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