O VALE DAS BONECAS

O VALE DAS BONECAS

Maurício voltou do Haiti muito triste. Quando saiu do Brasil estava cheio de ânimo e esperança. No fundo era um idealista e ainda sonhava em modificar o mundo. Tinha sido chamado para integrar a missão de brasileiros que iria ficar em Porto Principe por seis meses para trabalhar na reconstrução da cidade. Era um médico jovem com um excelente currículo. Ao se candidatar para a missão, o entusiasmo e orgulho em ajudar o próximo, invadiram sua alma, e não pensou um minuto sequer nas dificuldades que iria encontrar. Foram seis meses de fadiga, cansado, muito trabalho e muito poucos momentos de lazer e alegria. Voltava satisfeito, mas no íntimo com vontade de viver outras aventuras.

Mauricio tinha terminado o noivado de seis longo anos com Débora e logo após resolveu dar uma guinada em sua vida. Foi assim que junto com dois colegas de faculdade rumaram para o Haiti. Os meses que lá passou serviram para consolar seu sofrimento. Antes da partida tinha recebido um e-mail da ex-noiva pedindo perdão, dizendo que estava com saudades e queria revê-lo. O e-mail ficou sem resposta e muitos outros também. Mauricio não tinha mais vontade de vê-la. Sua decepção tinha sido muito grande. Certa manhã, após ter dormido no pequeno apartamento de Débora, acordou muito tarde, e só então se lembrou que ela havia saído para dar um plantão de 24 horas, para ganhar um dinheiro extra. Ela ia cobrir uma colega. Ficou no apartamento dela até a hora do almoço, ao sair lembrou-se de fazer uma surpresa e aparecer na clínica, convidá-la para almoçar. Poderia ser rápido e os dois ficariam um pouco juntos. Ultimamente, quase não se viam pois Débora, ainda estava numa fase de sua carreira de dar muitos plantões para ganhar mais, enquanto Maurício já estava melhor empregado em dois hospitais, e tinha um consultório num subúrbio afastado do centro.

Quando soube na recepção que Débora não estava substituindo a colega não acreditou, e ficou muito mais surpreso ao encontrar Marina dando seu plantão normalmente. Ela informou que tinha tempo não via Débora, e que ele estava enganado sobre a substituição no plantão.

Foi para o estacionamento, pegou o carro e dirigiu para casa. Sua mãe se admirou pois Maurício raramente aparecia aquela hora. Era quinta-feira e ele deveria estar no consultório. Ele almoçou com a mãe, sem contar o que tinha acontecido, disposto a conversar com Débora para saber porque ela havia mentido, mas conforme imaginara o celular estava desligado, o telefone do apartamento não respondia. Maurício avisou a secretária para remarcar os dois pacientes que tinha e ficou o resto da tarde, trancado no quarto com uma tremenda dor de cabeça. Não era a primeira vez, que isto acontecia, nos últimos seis meses, algumas vezes, Débora deixava escorregar algum detalhe, e ele estava bem desconfiado da atitude dela.

No dia seguinte ele iria trabalhar o dia inteiro em Copacabana e não teria chance de entrar em contato com ela. Era o chefe de equipe da emergência e por lá as coisas não tranquilas, na verdade era uma correria todo o tempo. Era pura adrenalina, chefiar a equipe. Já estava lá há três anos, e sentia-se gratificado com o trabalho realizado. Tinha dois amigos inseparáveis o Wagner, cardiologista e a Samantha ginecologista. Com eles gostava de se abrir,e desabafar nas horas em que podiam conversar um pouco na sala dos médicos. Samantha comentou sobre o caso da ricaça que chegara colocando a maior banca, que tinha pressa, que era ridículo esperar tanto tempo para ser atendida, que usaria a influência do marido para se queixar com a direção do hospital, etc., Após o exame e o diagnóstico parecia outra pessoa, assustada com a possibilidade de ser portadora de uma doença venérea, ela jurava para Samantha que tinha sido contaminada pelo marido, que era um mulherengo. Depois se aproximou do ouvido de Samantha e falou baixinho: - Preciso me cuidar melhor, de vez em quando dou umas fugidinhas para namorar uns meninos, a doutora entende não, meu marido está muito velhinho e eu preciso me divertir um pouco. Samantha simplesmente ouviu e alertou-a que ela precisava se cuidar melhor. Maurício ouviu o relato da amiga, e nem sorriu, pois este tipo de comentário era muito comum. Ele mesmo já presenciara inúmeras situações desse tipo. Naquele dia Samantha estava muito falante e contou-lhe sobre o convite que recebera de uma instituição internacional para integrar uma missão de ajuda humanitária em um país do Oriente. O salário era excelente, e seria a realização de um sonho. Ele nem se deu conta e resolveu saber detalhes sobre a instituição.

A conversa com Samantha ainda repercutia na mente de Maurício, e durante toda a noite, após ter chegado em casa, ele pensou sobre um trabalho desse tipo. Após a residência tinha chegado a pensar em sair do Brasil , depois começou a trabalhar em um hospital, veio o consultório, e Débora. O sonho começou a ficar distante, até aquela manhã. Resolveu procurar detalhes da instituição e entrou na internet. Verificou a proposta da instituição, as vagas em aberto para diversos profissiomais e os locais. Impulsivamente fez seu cadastro e candidatou-se a uma vaga para chefe de equipe em uma cidade na Índia na fronteira com um país que vivia em guerra.

Na manhã seguinte Débora ligou para o consultório, mas Maurício estava ocupado e não pode dar-lhe atenção. Nos dois dias seguintes eles sós se falaram rapidamente. No sábado Maurício resolveu ir ao apartamento dela para fazer-lhe uma surpresa. Estacionou, tomou o elevador, e colocou a chave na fechadura. Ainda hesitou um pouco, pois não costumava vir sem avisar, mas foi mais forte do que sua hesitação e entrou. Escutou vozes e foi até o quarto, Débora estava nua por cima de Alessandro e gemia de prazer. Estava tão alucinada que não se deu conta da chegada de Maurício. Quando virou para o lado e viu que ele estava ali parado surpreso, ela levou as mãos a cabeça e Alessandro rolou para o outro lado da cama. Maurício ficou tão indignado com a cena que saiu com a cabeça girando a milhões de quilômetros por hora. Pegou o carro, rodou, rodou, rodou. A noite foi acabando e ele se viu andando na praia deserta em Ipanema. Perdeu a noção do tempo. Começou a chover, uma garoa fininha. Maurício voltou para o carro e foi para casa finalmente. Chegou em casa, tomou um longo banho e depois se deitou. Dormiu pesadamente, só acordou lá pelas dez horas. Sentiu um cheirinho gostoso de café, sua mãe acabava de bater na porta, perguntando: - Você não vai tomar café? Ele respondeu afirmativamente e se preparou para ir tomar café. Conversou com a mãe sobre diversos assuntos e notou que ela estava curiosa para saber o que tinha acontecido. Maurício não mencionou uma palavra sobre o que presenciara no apartamento de Débora. O domingo passou rapidamente e veio a segunda-feira com a mesma rotina.

Resolveu dar um basta em sua vida. Os acontecimentos no Haiti foram o pontapé. Ainda tinha algumas economias e resolveu largar tudo, e partir para o trabalho no Haiti. Patrocinado por um organismo internacional não pensou duas vezes e foi para lá.

Coincidência ou não, ao voltar, recebeu um convite para ir a Índia, arrumou as malas e partiu. Seis semanas fora do Brasil, respirando aquela atmosfera sombria e silenciosa na fronteira do Nprdeste da ìndia, Maurício sentia-se outro homem. Desde que chegara tinha presenciado um verdadeiro mistério, doze funcionários da missão estavam desaparecidos, e naquele lugarejo longínquo ele era o único que permanecera. Era inverno e a neve caía pesadamente. As comunicações com a base estavam cortadas. Tinha feito tudo o que podia para que o resgate chegasse rapidamente, mas ele tinha perdido as esperanças. Caminhara na neve, até perder as forças e quase desmaiar, quando avistou aquela jovem mulher. Ela era simplesmente linda, estava muito bem agasalhada, mas podia ver seu rosto, um pouco queimado pelo frio. Alguns fios de seus cabelos voavam ao vento, eram negros. Ela estava diante de seus olhos, ele resolveu segui-la andaram por várias horas, de repente ele sentiu-se aquecido apenas por aquela presença feminina. A neve se acabara e ele continuou seguindo a jovem até que chegou a uma espécie de vale, e lá encontrou uma pequena cidade. Notou que os habitantes não lhe deram muita atenção, passavam como se não o vissem. Ele continuou seguindo a jovem. Entraram em uma espécie de hotel, ela ofereceu-lhe um quarto aconchegante, com água quente, uma cama macia e lençóis limpos. Maurício estava tão cansado que achava tudo maravilhoso. Tomou um banho, tentou se ajeitar com sua roupa depois desceu e foi até uma espécie de restaurante. Pediu a refeição e a jovem que o havia levado até ali sentou-se a sua frente e começaram a conversar em inglês. Ela falou-lhe para não se aventurar novamente na neve, pois era muito perigoso. Ali onde eles estavam os estrangeiros não eram bem recebidos, poderia ser pior do que ele conseguiria imaginar. Comeram, beberam vinho, ela falou-lhe sobre o seu trabalho. Era uma oficial do serviço americano, estava em uma missão de paz, para um organismo internacional, tinha outras amigas que serviam na mesma base que ela. Falou vagamente sobre o propósito de sua estada por aquela região. Maurício ficou admirando a beleza da jovem, era muito linda, e falava docemente, nem parecia militar. Sarah, continuou conversando com Maurício e parecia que ela conhecia alguns dos colegas de Maurício. Ela mencionou o nome de Roger, e Pierre, dois médicos franceses que estavam sumidos há três semanas. Quando ele perguntou-lhe se os tinha visto por ali nas últimas três semanas, ela sorriu e respondeu que não sabia, pois não fazia parte de seu trabalho, controlar e verificar a entrada e saída de outras pessoas da cidade. De qualquer forma, mais tarde ela poderia verificar com suas amigas. Sarah o deixou ali mesmo no restaurante, alegando algumas coisas que pretendia fazer enquanto Maurício curioso andava pela pequena cidade situada num vale entre as montanhas cobertas de neve. Reparou que andava como um fantasma, para lá e para cá, sem saber onde ia. Viu muitas mulheres uniformizadas, passarem ao seu lado, sempre em grupo de duas ou três. Eram sempre muito jovens e bonitas, muito bonitas. Algumas morenas, outras louras, algumas asiáticas, eram incrivelmente belas e todas tinham corpos esculturais, não pareciam ser militares. Ficou impressionado com as mulheres. As outras pessoas não se destacavam tanto. Observou dois ou três homens que passaram por ele rapidamente, reconhecia aqueles rostos mas não sabia de onde. Andou toda a pequena cidade, parecia que já estava ali por uma eternidade. Sarah não voltou mais, à noite caiu rapidamente e o vale ficou escuro e silencioso . As luzes das ruas e das casas todas acesas não espantavam o ar lúgubre daquele lugar. Maurício voltou para seu quarto naquele hotel, planejando voltar para a sua base na manhã seguinte. Dormiu um sono pesado, sentia muito frio, parecia que estava congelado. O vento uivava em seus ouvidos, e parecia que afundava cada vez mais na neve.

Um helicóptero do resgate finalmente conseguiu pousar naquele deserto gelado. Maurício tinha sido recolhido e já estava sendo medicado. Fora encontrado na neve, muito distante de sua base, perdido naquela imensidão gelada. Quase não enxergava e só via vultos, foi transferido para um hospital onde ficou internado. Aos poucos foi tomando conhecimento do que se passava ao redor. Tinha se perdido na neve, quando resolvera sair do hotel, não conseguindo refazer o caminho até sua base, quase morrera congelado de frio. Os outros funcionários da instituição, não voltaram. As buscas cessaram, pois a neve caía impiedosamente naquelas montanhas geladas. Incapacitado para o trabalho, Maurício ainda estava hospitalizado, e estava sendo assistido por um psiquiatra, pois a história que contara sobre a existência de uma pequena cidade no vale entre as montanhas, era muito estranha, segundo os que lhe assistiam. Levou algum tempo até que se recuperasse totalmente. Foi enviado para Nova Déli, onde ficaria até que se recuperasse para voltar ao trabalho. Intrigado com tudo o que tinha vivido durante sua estadia na Índia, Maurício procurou saber mais sobre a pequena cidade e o vale. Começou a procurar na internet alguma informação que sobre os acontecimentos que vivera naquele lugar. Procurava e nada encontrava. Resolveu tentar de outra forma, começou a pesquisar com o nome da Comandante Sarah Lee Smith e para sua surpresa encontrou. “A comandante Sarah Lee Smith junto com uma parte de seu batalhão composto por jovens militares de várias nacionalidades desapareceu no nordeste da Índia na fronteira com o ..... em 19.... Seus corpos nunca foram encontrados, apenas algumas sobreviventes escaparam das inúmeras avalanches que aconteceram naquela noite, elas ficaram tão chocadas,e algumas transtornadas mentalmente que não tiveram condições de reproduzir os fatos. O suposto local onde ocorreram as avalanches ficou conhecido como O VALE DAS BONECAS. As militares formavam um grupo de rara beleza”. Maurício recebeu também a notícia de que encontraram perto de sua base o diário de um enfermeiro italiano que fazia parte de sua equipe, e estava desaparecido. Ele procurou saber o que estava escrito no diário. “ Seu nome é Brigitte e ela veio vários noites me visitar na base. Ela é francesa. Estou apaixonado. Nunca conheci mulher mais linda e excitante. É contra o regulamento, mantermos relações íntimas na base, mas não consigo me conter...”

Maurício escolheu não retornar a base e ficou trabalhando para a instituição em Nova Déli, até que um dia foi surpreendido por uma notícia. Após o inverno, quando a neve começou a derreter foram encontrados os doze corpos dos funcionários de sua equipe. Eles estavam soterrados na neve e provavelmente tinham sido congelados. Um arrepio de horror tomou conta de sua espinha dorsal, enquanto pensava que poderia ter sido mais um deles. A figura de Sarah cruzou seu cérebro rapidamente e ele estremeceu de pavor. Lembrou-se de ter ouvido o nome de Brigitte B, ser pronunciado por ela.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 25/09/2010
Reeditado em 20/07/2015
Código do texto: T2520651
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