Jardim Filosofico - parte 5
As palavras novamente lhe fugiam dos lábios e Nisa permanecia em silêncio enquanto instintivamente ela pegava a imensa trança dos cabelos dele e brincava com a ponta, onde havia um artefato pendurado.
“Caramba, estou sem jeito”, ela pensa consigo mesma enquanto sente o coração descompassar.
- Não é a primeira vez que te deixo sem palavras, né? Acho que tenho pratica nesse tipo de técnica.
Na tentativa de mudar o foco da conversa ela pensa em algumas coisas para perguntar.
- Você já se envolveu com alguma pessoa fora de seu clã? – as mãos de Nisa estavam agora nervosamente enroladas na trança.
- Nunca me envolvi com ninguém do meu clã – a resposta categórica dele a deixou perplexa.
Ela sacode a cabeça de forma confusa:
- Pronto, agora to sim estou confusa. Acho que não fui clara na pergunta, ela é passível de mil interpretações.
- Se envolver de que maneira você se refere? – o indicador dele guiou o rosto dela na direção dele, para que o encarasse novamente.
- Você parece um psicólogo cavando minhas fraquezas! Bem... quando pergunto sobre se envolver digo conhecer profundamente uma pessoa, saber o que se passa com ela. Me refiro a amar.
Sem um pequeno desvio de voz ou de olhar ele comenta:
- Você diz, se relacionar com alguém? Sexualmente, Sentimentalmente, etc?
Novamente ela se sentia jogada no olho de um furacão de palavras e idéias.
- Não falei só sexualmente, falei no sentido em que você esta se relacionando comigo. – as bochechas ardem mais um pouco com o desconcerto - É hoje eu estou confusa mesmo e agora ta pior! Deve ser o sono.. – ela sorri desconcertada e esfrega os olhos - A massagem nas têmporas me acalmou mesmo.
- Certamente me relacionei com pessoas, mas nunca fui um ser muito sociável, facilmente eram relações que se desprendiam pelo tempo e ausência. São poucos os que podem suportar minhas exclusividades de tempo e espaço.
Os olhos de Nisa se abrem espontaneamente.
- De tempo e espaço eu entendo... e de relacionamentos que não duram devido a isso, também. – a voz some antes do pronunciar da ultima palavra.
Relembrei de uma frase que Terry havia me dito naquela semana e comecei a rir.
Curiosamente Duolon me olhou, mas nada disse.
- Desculpe eu rir sem me explicar... Meu irmão de consideração esta semana o chamou de pederasta. E o que vejo em você é algo OPOSTO a isso. To podendo com uns "elogios "desses?
Nisa põe as mãos na cintura e segura o riso.
Mesmo com o assunto delicado desses ele parecia categórico e educado.
- Ah isso é exclusividade mesmo, não é sempre que se recebe elogios desse tipo. Eu particularmente costumo ouvir a palavra “travesti” e detalhes mais sórdidos das pessoas.
Por um segundo o olhar da ruiva pousou naquele homem sentindo pena.
- Eu só vejo que suas roupas são lindas e bem escolhidas. E isso não tem nada a ver com opção sexual que você faça em sua vida particular. Tem horas que me sinto alien mesmo, por pensar assim.
“Ele pareceu ser mais desenvolto do que qualquer ser que eu já encontrei em minha vida! Céus... a cada palavra sinto um nível hipnótico se apossar de mim”.
- Na verdade, Nisa, é difícil para mentes limitadas reconhecer os leves detalhes e diferenças de uma mulher para um homem no meu caso. Tem sempre alguém que espera ouvir a minha voz para ter alguma certeza do que sou realmente.
Nisa permanece a olhar cada detalhe das roupas dele, o corpo era magro, leve, quase levitava quando andava. Não havia uma distinção de sexualidade definida realmente em nenhum traço dele. Exceto pela voz.
- Você é um mestre e no fundo a palavra pederasta também tem a ver com isso.
Ele olha curioso para mim como quem pede explicações.
- Como assim?
- Na Grécia antiga... a palavra “pederasta” significava o mestre que educava garotos de fina estirpe. Eram pessoas com "fascinação estética, impregnada mais ou menos de um impulso erótico". Mas hoje em dia é usado apenas pelo lado pejorativo.
Por alguns segundos ela se sentiu sabia na frente dele. Então sorriu e lhe acariciou o rosto. A pele dele era tão delicada que parecia impossível imaginá-lo caçando seres maléficos e os armazenando em seu próprio corpo.
- Mas mesmo naquela época tudo isso era ainda muito Homosexual, não? – as palavras deles soavam instigantes.
Nisa fala confiante:
- Se for apenas referido ao lado homossexual não deixa de ser algo que me fascina. Tudo que os humanos repudiam ou classificam como "errado" eu gosto de conhecer e ver ao fundo o que é. E você ?
Como quem desafia minhas palavras ele fala claramente:
- Eu sou Bissexual, Nisa. Não preciso me posicionar diante disso.
Os olhos da garota brilham de forma carinhosa, era como se uma explosão de significados coloridos caíssem diante dela.
- Lindo isso - sussurra baixinho consigo mesma - Eu adoro pessoas diretas! Definidas... – um sorriso sincero se abre mais ainda no rosto da garota ruiva.
Parecia que mais um laço havia se atado entre ela e ele.
- Por que dar outros nomes ou deixar termos ocultos para definir pessoas como eu? Adoro simplesmente o fato de apreciar detalhes e ver que todos os sexos tem algo de interessante. Apenas não é de meu agrado procurar motivos ou ouvir alguém se justificar por suas opções. Uma vez que uma decisão é tomada, ela é tomada, nada mais. E muitas vezes não temos muito o que tomar, isso é fato.
Os olhos dela marejavam em lagrimas. Nisa não sabia explicar o porque disso, mas estava feliz, perplexa, fascinada, encantada, confusa apesar de ter entendido toda a mensagem oculta nas entrelinhas daquela conversa.
- Eu costumo dominar quando ha discussões sobre este assunto.. e pela primeira vez na vida estou em silencio e quero que alguém que esteja falando comigo não pare mais de falar... - um sorriso leve bate em seu rosto
O sorriso dele acalmou toda a ansiedade que havia em suas palavras.
- Basta me dizer sobre o que quer ouvir meu anjo. Antes que fique sem mais histórias e levem minha cabeça para cortar, não é? – fala em tom divertido
Ela permanece em silencio pensando.
- Sei que é algo estranho... mas quero uma promessa sua....
O olhar dela de fixa no rosto dele enquanto ambas as mãos o seguram delicadamente.
- Se estiver ao meu alcance eu farei. – ele estava seguro de suas palavras
- Podemos demorar meses sem nos ver... mas por favor, não deixa essa sua retórica impecável emudecer com o tempo. Fale comigo sempre que voltar a este mundo, sempre que voltar para este lado. Não importa o que você fale, eu só quero ouvir você , ouvir sua voz. – ela abaixa a cabeça – Caramba, eu já estou chorando de novo...
Uma seqüência de pequenas lagrimas corriam dos olhos ate o queixo.
Ele desfere um beijo na face dela, secando as lagrimas com seus lábios.
- Está prometido, afinal de contas, melhor do que alguém para ouvir, é alguém que queira ouvir.
Ela sorri e o aperta em um abraço, sentindo o aroma doce do perfume exótico que ele usava.
- Obrigada por prometer, e orelhas para ouvir eu tenho... e das grandes! - ela mostra apontando as orelhas de felino que estão em cima da cabeça e sorri divertidamente
O carinho dele era completamente sincero, e o abraço estreito. Após uns minutos ele se afasta e pronuncia com sua voz ressonante:
- Entendo toda a sua fascinação, eu fui treinado num seguimento rígido e firme, que me formou opiniões rígidas e firmes, e definitivas.Embora flexíveis como a água.
Ela esboça um carinho na franja negra dele que caia emoldurando o rosto.
- Duolon, agradeço cada minuto em que você teve nesse treinamento, ao mesmo tempo que amaldiçôo quem pode transformar uma pessoa de tão incólume índole em um assassino. Agradeço poder ouvir suas palavras, agradeço ter tido a chance de conhecê-lo e amaldiçôo a não oportunidade de ter você perto por muito tempo.
Um leve toque nos lábios dela a faz parar. Ele estava a beijando. Por um segundo seu estômago havia revirado em mil borboletas. Aquilo sim era confuso.
- Não amaldiçoe, aproveite o tempo que estamos juntos, o que o meu treinamento me tornou nos fez estarmos aqui juntos hoje. – de olhos fechados ele sussurrou após o beijo.
Completamente imóvel diante do gesto, tremendo dos pés ate a cabeça, ela abre os olhos sem fôlego e o encara sorrindo.
- O....bri ....gada – as palavras não saiam mais, morriam antes de chegarem aos lábios junto com a sensação de desfalecimento.
Ele a levanta e segura-a nos braços, ela parecia fraca.
- Agora sim, posso sentir que agora esta completamente tranqüilizada, certo?
Em tom divertido ela fala :
- Isso faz parte do tratamento de todas as histéricas que você conhece ao longo de sua jornada?
- Não costumo tratar histéricas ....
Antes que ele termine a frase ela completa:
- só problemáticas atemporais .. entendo. – ela pisca
Uma gargalhada dele foi ouvida.
- Minha paciente foi seleta, não se trata de um serviço publico. E antes que continue a me cortar, o beijo não fazia parte do plano, se assim posso chamar.
Novamente ela ficou muda e baixou os olhos
- Ainda faço parte da sua caçada aos monstros ou seres sobrenaturais? – ela faz gesto de quem usa uma arma e sorri.
- Ora Nisa, não sentiu nada diferente no momento que me beijou? O que sentiu? – ele se curva para encostar o rosto próximo ao dela, enquanto as mãos dele estão unidas nas costas da ruiva.
Ela abre a palma da própria mão e a mostra suada, com gotas pingando pelos dedos, sentindo o coração totalmente fora de ritmo.
- Será que seria assim tão bom se eu arrancasse um pedaço da sua alma? – mais um beijo leve foi trocado antes das próximas palavras sussurradas – O que fiz foi por desejo mesmo.
Ela fechou os olhos e tentou respirar de forma consciente.
- Se fosse arrancado um pedaço que tivesse estragado, sem uso e morto dentro de mim sim, acho que seria esse sentimento sim. – a mão dela se fecha na frente do peito – Você esta sendo maldoso comigo... por favor.
- Não estava morto, seu coração estava apenas ferido, precisando de pouco mais de atenção. Por que me acha maldoso?
Ela permanece ritmando a respiração e os batimentos cardíacos.
- Não vamos nos ver tão cedo, vou sentir mais falta ainda de você e vai doer a saudade. Sempre dói....
O abraço dele se estreitou de maneira quase sufocante e depois afrouxou.
- Não disse que ia demorar pra voltar. Nem disse para você ficar se ferindo pensando sempre a frente.
Por que pensar "ele vai demorar" enquanto pode pensar "ele esta comigo"?
Ela morde os lábios perplexa pela forma com que ele raciocinava.
- Quero ser diferente de todas as pessoas que já sofreram com sua ausência. Quero sentir sempre essa certeza de que vou ouvir você falar comigo...
- Quer mesmo? – ele acaricia o rosto dela e para com ambas as mãos nos ombros dela firmemente - Me promete uma coisa então: Não sofra.
- Ah droga, não para de cair água do olho!
Ele sorri e a abraça, colocando o queixo apoiado no topo da cabeça dela. A altura superior dele mal era notada por Nisa até esse momento.
- Talvez você precisasse apenas lavar um pouco a alma, pequena menina.
Ela pega ambas as mãos dele e as beija na palma.
- Obrigada pelo carinho, pela atenção de verdade.
Ele se afasta dois passos da soleira da porta.
- Não agradeça, não te fiz nenhum favor. Apenas fiz o que foi de meu desejo fazer.
Em um gesto de reverencia ela se abaixa.
- Não tenho uma data para lhe ver não é? Mas vou ficar com essa frase aqui dentro: " você esta comigo"
Naquele momento, ela havia conseguido o melhor de todas as frases de Duolon.
Nisa havia conseguido o silencio sorriso dele. O silencio do desaparecer de sua presença.
Sem saber se ele a ouvia ainda pronunciou:
- Boa noite... boa todas as noites, não importa onde, com quem ou como você esteja. Que todas sejam boas como esta que você transformou pra mim.
O som da voz dele ecoou pela escuridão das plantas do jardim:
- Não importa o que mudou, seja sempre essa doce menina de toda a experiência e confusão. De toda essa perfeição que me encanta. Não importa o quanto o mundo ao seu redor mude, seja você mesma. E que apareçam mais e mais pessoas quanto eu que possam fazer isso por você. E se não aparecerem, não importa, estarei sempre contigo em sua mente e alma.