Emboscada

"E lá estava o cavaleiro, pelo mesmo caminho que havia passado há mais de um ano. Mas em outra época haviam acampamentos, equipamentos para batalhas, cavalos, carruagens e catapultas por todos os lados. Para onde se olhava, encontrava-se um anão afiando seu machado, um mago pronunciando algo silenciosamente, ou guerreiros descontraídos em suas risadas. Mas agora era diferente, depois de 100 dias ininterruptos de batalha, o cansaço era um inimigo perverso.

Da batalha, sobraram alguns poucos do lado vitorioso, e apenas um em condições e com coragem suficiente para enfrentar o caminho de volta e dar as boas novas ao rei, para que este voltasse a ocupar com sua população, animais, plantações e o que mais era de costume antes dos tempos de guerra, o lado de fora das muralhas de sua fortaleza. O cavaleiro caminhava havia, pelas suas contas, ao menos 38 dias. Pelo caminho percorrido pela batalha, pouco restou que pronunciasse algum som, algumas aves voavam alto, ainda com receio do que poderia acontecer por ali. No princípio, foram dias sem pronunciar nenhuma palavra sequer. Algumas tentativas de chamar as aves se esvaeceram no ar. Em pouco tempo, o cavaleiro começava a conversar consigo mesmo, o que não era difícil depois de tanto tempo de treino para concentração em batalha.

...O cavaleiro atravessava o Vale do Precipício Sem Fim, nunca antes aventurado, temido e cheio de histórias assustadoras. Histórias contadas sem que ninguém tivesse retornado para contá-las. Por ali fora o caminho da tocaia vencedora da guerra, mas agora, sozinho, na penumbra do entardecer, as rochas vermelhas que se erguiam em duas paredes enormes pareciam não ter fim, uma pequena abertura do céu era vista com certa dificuldade, era um buraco profundo, com raríssima fauna, nenhuma flora, e após a batalha, sem as raras aves que por ali perambulavam em seu sossego.

Ao pronunciar um assovio o cavaleiro foi surpreendido com um sussurro, aparentemente pedindo silêncio. Com um pulo para a frente, virando-se e com a mão na espada, teve seu coração levado à boca, sua respiração acelerada e o olhar arregalado por não encontrar motivo algum para sacar a arma. Mas de onde viera o chamado?

...A chuva começava a cair de maneira cortante, felizmente havia uma caverna há poucas horas dali, o cavaleiro apertou o passo para chegar com alguma coisa seca em sua bagagem...

...A caverna tinha uma entrada de dois metros de largura por três de altura, e nestes moldes seguia-se parede adentro. Fazia muito frio e o cavalheiro foi procurar um lugar mais quente para se abrigar. A caverna, já verificada minuciosamente no caminho de ida, era perfeitamente segura e terminava 500 metros adiante. Caminhou um tempo no escuro total, já que havia pouca, ou quase nenhuma coisa seca em sua bagagem, encontrando um local quente e seco o suficiente para se recostar. O cair no sono veio em poucos minutos.

...Um susto! Um sussurro! Seu nome fora claramente chamado em um sussurro forte o suficiente para ser ouvido há distância. Sim, fora seu nome quem a voz chamou, não restava dúvida. Caminhou até a entrada da caverna para ter certeza de que não era cercado. À entrada da caverna, uma chuva terrível e nenhum sinal de coisa alguma, tudo isso iluminado pelos primeiros raios vermelhos do sol da manhã. Só restava um caminho a seguir. Ao olhar para dentro da caverna, a luz do amanhecer tornava aquelas rochas avermelhadas de um tom ainda mais amedrontador e enlouquecedor. Poucos passos adentro e a luz se transformava em uma penumbra alaranjada e muito úmida, tornando-se de um laranja escuro até permanecer apenas os vultos e as sensações do poderia estar por ali.

...Alguns passos mais à dentro e a penumbra era ainda mais confusa: a lembrança dos pássaros lá fora, e o pensamento neles com aquela chuva lhe via à tona, o cavaleiro não sabia por que. Mas o que o esperava o fazia ficar tenso demais para pensar por muito tempo em pássaros na chuva. Afinal de contas, eles sempre sobreviveram e muito bem, desde o início dos tempos conhecidos. Os passos eram mais lentos à medida que se enxergava menos ainda, e o espaço entre ele e o que quer que fosse que soubesse seu nome era mais curto.

...Mais alguns passos e não se enxergava praticamente nada, quando a vista se acostumava era possível ver o pouco que o forçar dos olhos permitia. Não muito longe, a mochila com seus utensílios deixados para traz com o susto, ao contrário da espada que estava em punho desde então. Era clara a ideia do cavaleiro de não acender suas tochas, ainda que fosse possível, para não facilitar ao inimigo encontrar seu alvo.

...Passos na escuridão revelaram um certo tom sombrio nas rochas, esfregando os olhos o cavaleiro deu mais dois passos, sim, havia algo ali, era pouco maior que ele em tamanho e largura. A medida era exata, com seu olhar fixo, sem nem mesmo piscar, ele foi avançando vagarosamente, quando de repente, o vulto se mexeu e fugiu para o interior da caverna. Agora o vulto era um alvo a ser perseguido. Baixando a guarda para poder correr mais rápido, o cavaleiro avançou por 100 metros até que não pode mais. Não via mais nada, e quando menos esperava, seu nome fora chamado em alto e bom som, se havia alguma dúvida, esta se esvaíra com o chamado. Ele avançou com a espada em punho e começou a ouvir uma respiração ofegante. A sua seguiu no mesmo ritmo. Era muito tenso não saber o que o aguardava, de que maneira se encontrava ali, e mais, como o conhecia?

Mil maneiras de atacar e ser atacado passavam pela sua cabeça e o deixavam mais ofegante ainda, mas era preciso se concentrar, era preciso desferir o primeiro golpe. Ele seguiu a respiração como um cão farejando uma raposa. Mas ela parou, o silencio era total, ele estava parado, imóvel, mas não se esquecendo que seu nome fora chamado muito claramente, quem é que o estaria cercando daquela maneira? Porque motivo? Uma respiração foi sentida nas suas costas, e, ao tentar desferir um golpe girando seu corpo, seu braço bateu na parede deixando escapar a espada de sua mão. Como isso foi acontecer? Nunca, em anos de luta, ele a tinha deixado se soltar por um instante sequer, tudo isso lhe passou na cabeça ainda antes de ela cair no chão, e foi antes mesmo de ela cair que ele ouviu seu nome chamado novamente, seguido uma risada, e agora como um grito, seguido do soar da espada tocando no chão. Mas o cavaleiro, com um movimento que só um cavaleiro como ele poderia desferir, tocou seus dedos na espada assim que ela chegou ao chão, e agarrando-a fortemente, sentiu sua mão sangrar. Foi a maneira que ele conseguiu segurá-la, e menos de um segundo se seguiu antes do derradeiro golpe no seu algoz. Mas o desequilíbrio, com o escorregar da espada, a força abrupta colocada na mesma e mais um chamado de seu nome às suas costas, o confundiram e fizeram com que seu golpe atingisse o seu próprio desferidor!

...Alguns minutos se passaram do golpe, a espada não estava mais no peito do cavaleiro, ele a arrancara e jogara do outro lado da caverna. Um momento de força e coragem que precede a morte quando ela é sabida, fizeram o nobre cavaleiro ter a certeza de que ele acertara sim seu inimigo, e com um golpe letal, lembrando-se com lucidez de cada detalhe da luta, ele sorriu, percebeu a caverna clarear e pereceu..."

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