A festa de quinze anos.
Ele caminha pela trilha que leva à casa simples na solidão dos campos sem fim.
O lugar é desolado e triste. O dia encoberto pela conhecida neblina não ajuda a melhorar o ânimo dele.
Entra no lar que neste momento está em silêncio. Seu pai e irmãos trabalham na lavoura enquanto a mãe fora à vila comprar mantimentos. Fica a caminhar pela casa inquieto e pensativo.
Não sabe o que faz naquele lugar ermo. Sequer imagina como fora nascer naquela família simples, de hábitos franciscanos.
Não que ele não goste de sua família, nada disto, ele os ama demais.
É que se sente deslocado, fora de foco.
Eles não sabem dos fantasmas. Nunca contara nada a ninguém, certamente iriam interná-lo em um hospício como louco; todavia eram eles que davam cores à sua vida monótona.
Os fantasmas andavam pela casa e campos, acompanhavam a família nos almoços e jantares, alguns sérios e absortos, outros dementes, enquanto os demais ficavam quase que todo o tempo brincando e rindo, inconsequentes...
Ele não consegue trabalhar como os irmãos que ajudam o pai na lavoura.
Também não ajuda a mãe nas lidas domésticas.
Fica achando-se um inútil, o que aumenta a sensação de não pertencer ao grupo familiar.
Com vinte anos, nunca namorou.
Não tem com quem conversar sobre suas angústias, sente-se um pária, indigno de permanecer junto aos familiares.
Certa vez fora procurar o padre do vilarejo.
O padre como todos os outros, parecia não compreender suas angústias. Tentou explicar mas em vão.
Quando vira que não se fazia entender, desistiu mais uma vez. Ninguém o compreendia mesmo...
Afinal, quem era ele?
Porque esta sensação permanente de que tem algo que ele precisa descobrir?
Tivera uma infância feliz e uma adolescência normal até os quinze anos, brincando, ajudando em casa, trabalhando na lavoura com os irmãos.
Todavia, depois disto, sua vida se transformara totalmente.
Ultimamente dera para pensar que precisava descobrir o que acontecera no dia da sua festa de quinze anos.
A família não o compreendia, e de nada adiantava tentar um diálogo.
Deus! Teria cometido algum crime?
Neste caso estava louco, porque não se lembrava de nada...
Observa a prateleira antiga e gasta, onde repousa sua foto do aniversário de quinze anos ao lado das outras fotos da família.
Olha para o menino de rosto expressivo, olhar inteligente, sorriso cativante.
Corrói-se em angústias. Sofre.
Sente-se um inútil, inacabado, um marginal.
Hoje é seu aniversário de vinte anos e ainda não conseguira desvendar o mistério.
Irrequieto, sai da casa. Procura o rio familiar e amigo, palco de tantas brincadeiras infantis com os irmãos.
O ar está pesado, anunciando a tempestade que não tardará. O silêncio só é quebrado pelo som longínquo das machadadas do pai cortando lenha.
De repente, cessam os barulhos. Devem estar voltando à casa, pensa ele apreensivo.
Algo está para acontecer e ele não imagina o que possa ser, ou imagina e prefere não saber.
Enquanto pensa tudo isto, fica absorto olhando o rio, sem imaginar o que começa a acontecer na casa.
No mesmo momento, seus familiares chegam em casa, e iniciam os preparativos para sair.
A mãe, católica fervorosa, mandara rezar uma missa. Hoje seu amado filho caçula estaria completando vinte anos.
Fora brutalmente assassinado no dia de seu aniversário de quinze anos.