S(c)em Alma(s)
Diz-se que havia um navio
Desses de madeira, com remendos mil
De um louco capitão que baforava fumaça
Com ervas loucas, fazia pavio
Só de ouvir, senti arrepio
Por almas de cem marinheiros que amassa
Caminha da ponte à proa
Entoando a canção do vento que voa
E só pára engolindo dois litros de cachaça
Ouvi que ele anda com um chicote
E que ama sentir o cheiro da morte
Torturando cada homem que no convés passa
Da prancha alimenta tubarões
Da carne humana, só poupa os corações
Que volta e meia em fogueira assa
Ah! Os olhos! Ele os conserva em cêra
E coleciona em estante de madeira
Pra não cair no esquecimento a desgraça
Sobre cada marujo só penso: coitado!
Como foi perecer pra'quele pobre diabo
Que não vale de um rato nem a raça?
Estou certo que ouviu falar de mim
E na imensidão desse mar sem fim
Eu caço ele e ele me caça
Todos aqueles espíritos aprisionados
Só em terra podem ser libertados
Do homem que a maldade arde em brasa
Se esbarrar com o navio, dou sumiço
Esquartejo o capitão, assumo o passadiço
E levo as cem almas de volta pra casa!