Estranha companhia

Quando ando pela casa, sozinho e no escuro, tenho sempre a impressão de que alguém me segue. Não. Irei me corrigir. Alguém, de fato, me segue. Não me importo, na maioria das vezes, não ligo mais para ele. Talvez seja por que ele já se transformou em uma espécie de amigo, e, por isto, penso que deseje me matar. Pois que o faça quando quiser. Mas no início, quando a doença me consumia e eu tinha medo, ele me ajudou. Mostrou que não poderia hesitar diante da morte, que toda chance de provar a doce sensação da vida esvaindo-se de um ser deveria ser aproveitada, tal como a brisa que nos encontra de assalto a beira-mar.

- Beba o sangue – certa vez me disse com um leve tom de sugestão, mas firme o suficiente para que eu cumprisse. E, claro, bebi. Daquelas primeiras noites em diante, não pude mais ser indiferente a tudo isto.

Cada vítima, cada corte. O sangue quente brotando de baixo do bisturi e, logo em seguida, tocando a ponta dos meus dedos que apertam firmemente contra o corpo humano teso na mesa. É como um vício, uma droga potente que nos impele a consumi-la só mais uma vez, uma última vez. Mas a vontade nunca passa.

- Por favor... Por favor... – Elas sempre choramingam. Gostaria de, pelo menos em algumas vezes, ouvir algo diferente. Vítimas choronas, isto que são. Contudo, não faço muita questão. Depois que os cortes se aprofundam, depois que o sangue brota num fluxo ritmado, só sinto prazer.

O que me preocupa não é a estranha companhia, mas sim as coisas que ela me sussurrou nos últimos dias.

- Vê aquela lâmina? – Perguntava baixinho. – Use-a em você mesmo, eis a cura. Use-a! – E em cada palavra eu senti algo perverso. Mas, ele sempre me guiou, ajudando-me.

Nesta madrugada resolvi encarar seus olhos, e tudo o que vi foi o terror acumulado nos corpos que lotam meu porão. Devo me juntar à eles.