A morte vem em sentido contrário

Olhou para o relógio enquanto caminhava e com muita dificuldade conseguiu visualizar através do visor que já eram quase duas horas da manhã. Entretera-se com as outras garotas na festinha de aniversário de sua amiga Sara e nem se apercebera que há muito já passara da meia noite.

A madrugada fria e nevoenta trouxe-lhe lembranças de um fato ocorrido, há quase meio ano, com a sua amiga Frida que fora estuprada e morta não muito longe dali, quando também voltava de uma festa de aniversário.

As outras duas amigas que a acompanhavam pegaram outro caminho por morarem na parte de cima da cidade e agora, sozinha, caminhava completamente desprotegida das maldades e dos perigos que rodeiam e envolvem as noites gélidas e silenciosas da cidade grande.

Depois de quase dez minutos de caminhada, envolta constantemente por pensamentos tenebrosos, chegou finalmente a parte mais perigosa de sua jornada. Um local onde a rua estava em obras e a passagem se fazia apenas por uma das calçadas cercada por tapumes de quase três metros de altura, barrando, assim, a passagem para o outro lado da via e deixando apenas um extenso corredor de aproximadamente duzentos metros de comprimento, que ia até a próxima esquina e virava à esquerda impedindo que se visualizasse quem vinha em sentido contrário pelo outro quarteirão .

Um frio cortante percorreu lhe a espinha ao imaginar os momentos terríveis que sua amiga Frida deve ter passado minutos antes de sua morte, com seu algoz tapando-lhe a boca e ao mesmo tempo sufocando-a, até extinguir-lhe a vida, depois de tê-la estuprada.

Pedia desesperadamente a Deus que a protegesse de todos os males que por ventura encontrasse pelo caminho. Que seu anjo de luz não a abandonasse diante dos inimigos que rondam as trevas da noite a procura de pessoas inocentes para cometerem suas atrocidades.

Já estava quase terminando de atravessar aquele maldito corredor que parecia, a aquela a hora da noite, ser tão extenso quanto às muralhas da china, quando ouviu passos vindos em sentido contrário, exatamente daquele ponto onde não se visualizava o outro lado do quarteirão. Quis voltar, porém não teve tempo, ficou ali completamente paralisada diante daqueles três elementos vindo em sua direção a menos de dez metros de onde estava. Um deles, um jovem negro, de aproximadamente um metro e oitenta e que vinha a frente, abriu um leve sorriso no canto da boca e olhou maliciosamente para os dois que vinham logo atrás. Os outros dois, também jovens, eram brancos e tão mal encarados quanto o rapaz negro que vinha a frente.

Aqueles segundos que antecederam a tudo o que estava para acontecer pareceu-lhe ter levado séculos para se passarem.

Sem ter como retroceder, continuou caminhando lentamente em direção aos três elementos que vinham em sua direção. Sentiu o corpo completamente entorpecido a ponto de não conseguir sentir os pés que tocavam o chão de maneira trôpega e desordenada.

O rapaz negro, ao passar por ela, respirou tão próximo ao seu pescoço que ela chegou a sentir o cheiro de vinho que exalava de sua boca. O que vinha logo atrás lhe dirigiu um sorriso sarcástico e a fitou profundamente nos olhos. Assim que passou pelos dois primeiros sentiu o coração gelar ao perceber que o último indivíduo ficara parado no meio do caminho impedindo-lhe a passagem. A pobre moça se espremeu entre ele e o tapume para poder passar. Foi nesse momento que tudo aconteceu e que com certeza ela, por toda a sua vida, jamais haverá de se esquecer. O rapaz que lhe barrava o caminho virou-se de costas para ela, arrebitou a bunda em sua direção e soltou um peido tão estrondoso que quase derrubou o tapume a sua frente. Não foi um peidinho não. Foi um daqueles que parece sair batendo palmas. Alto e comprido que pareceu ter lhe rasgado todas as pregas.

A pobre moça saiu numa carreira tão grande que deve estar correndo até hoje. Os seminaristas Sebastião, Augustinho e Alcides, que caminhavam em direção a Sé, onde o Bispo os entrevistaria na manhã seguinte, chegaram a rolar no chão de tanto rir.

É meu amigo, as noites em São Paulo realmente são perigosas, traiçoeiras e cheias de surpresas!