Solidão
Permaneci durante um longo tempo em frente ao portão de entrada do velho asilo, um local de arrepiar. Era um casarão enorme com uma cerca baixa de metal já enferrujada, um jardim mau cuidado e as folhas secas das árvores formavam um tapete no chão estéril. O próprio dia se encontrava cinzento, entristecendo ainda mais o cenário macabro. Eu observava o local, mas não ousava entrar, um calafrio percorria meu corpo, eu tentei a todo custo me convencer a virar e ir embora dali, porém era necessário entrar. Muito tempo havia se passado desde que deixei meu velho pai naquele lugar lúgubre, cada dia que passava ensaiava uma visita, mas nunca tinha tempo, e assim foi durante longos dez anos.
Cruzei o velho portão, caminhei lentamente pela trilha que ia da entrada até a varanda do casarão, onde se encontravam alguns idosos sentados, de cabeça baixa, tristes e com uma aparência doentia. Nas janelas alguns me observavam chegando, uma senhora chegou a começar a esboçar um sorriso, talvez me confundindo com algum ente querido, mas logo seu sorriso desapareceu e ela baixou a cabeça.
Todo aquele local me angustiava, como estaria meu pai, o que eu diria para ele e como explicaria minha longa ausência? Esse pensamento fez-me desacelerar ainda mais o passo, talvez instintivamente eu quisesse postergar o nosso encontro, pois não havia desculpa para minha atitude, não havia explicações para o que eu fizera com ele, deixando-o ali, entregue à solidão daquele local fúnebre. Por mais que eu visse pessoas caminhando por ali, a solidão parecia imperar sobre todas elas, todas entregues a seu inferno particular.
Finalmente cheguei à porta de entrada, eu queria fugir dali e nunca mais voltar, esquecer a existência daquele lugar perturbador, queria voltar para minha esposa, para meus filhos por mais alguns anos antes de fazer aquilo. Não queria vê-lo, não queria olhar nos olhos dele, o temor que sentia tornou-se mais forte, uma sensação de horror só de pensar em encará-lo. Não sabia o que me causava tanto medo, mas sentia que algo terrível fosse acontecer, mas uma força estranha me compelia a continuar a marcha.
Ao adentrar o velho casarão senti um forte odor, uma mistura de cheiros extremamente desagradáveis, os idosos, sentados em suas cadeiras de roda, não me encaravam, olhavam sempre para o chão, era como se eu não estivesse ali. Um sentimento de solidão terrível abateu sobre mim, um sentimento que me acompanhou enquanto eu subia as escadas a caminho do quarto de meu velho pai. Senti vontade de chorar, aquele misto de sensações, medo, receio, solidão eram arrebatadores, como se aquele lugar funesto tivesse o poder de mexer com nossa sanidade. Parei de caminhar várias vezes, adiando cada vez mais meu doloroso encontro, até que cheguei ao topo da escada.
Contei cinco passos até chegar finalmente a porta do quarto, coloquei a mão na maçaneta, mas não a girei. O que eu falaria com ele e o que ele me responderia? Talvez ele estivesse tão apático quanto os demais habitantes do asilo, talvez ele nem me reconhecesse mais, ou ficasse tão feliz em me ver que nada mais importaria. Esse último pensamento me animou mais, porém não abri a porta, fiquei lá, parado, pensativo. Aquele horror me assolou novamente, senti que cruzar aquela porta levaria de encontro a algo estarrecedor, eu sentia que já havia estado ali outras vezes, naquela situação, na verdade essa sensação me acompanhou desde que eu estava em frente ao velho portão, e era essa mesma sensação que me alertava para o perigo do outro lado daquela porta de madeira escura e fúnebre.
O medo que sentia fez-me recuar, foi quando percebi que todos me olhavam, os outrora apáticos senhores estavam todos de pé, observando-me como se aguardassem que eu abrisse a porta e encarasse o que eu tanto temia. Segurei novamente a maçaneta e a girei, a porta se abriu em um rangido angustiante, como só as velhas portas conseguem fazer. Sentado em uma cadeira de rodas, virado para a janela, vi um senhor de cabeça baixa, posição idêntica à de seus companheiros de asilo. Não pareceu perceber minha presença, tranquei a porta atrás de mim tentando evitar o alto rangido, sem sucesso, mas mesmo assim ele não se incomodou e permaneceu na mesma posição.
Meu velho pai, seus cabelos estavam totalmente brancos, e ele estava tão magro e maltratado quanto um mendigo. O quarto não cheirava bem, assim como o resto do asilo, e à medida que eu aproximava pude perceber hematomas em algumas partes de seu corpo. Meu coração apertou, senti uma revolta imensa, como podiam tratar uma pessoa daquele jeito. Cheguei bem perto e tentei falar, mas a voz não saiu, tentei novamente, e nada.
Dei a volta e me prostrei entre ele e a janela. Olhei-o fixamente, iria dizer que o levaria embora dali naquele momento e que ele não passaria mais nenhum minuto naquele lugar. Ele pareceu perceber minha presença e levantou a cabeça para me olhar. Foi então que fui tomado pelo horror cuja sensação me acompanhava desde que me preparava para entrar naquele asilo. Como em um sonho macabro meu ponto de vista distorceu-se e me encontrei encarando apenas meu reflexo na janela. Não havia pai, não havia filho algum, somente eu, sentado em uma cadeira de rodas encarando meu reflexo enrugado na janela do velho asilo.
Todos aqui têm seu próprio inferno e este era o meu. Em meu desespero e sofrimento, delirava todos os dias, projetando-me para fora de mim, era bem menos doloroso encarar aquilo como problema de outro, como se eu não pertencesse àquele lugar onde eu fora confinado por meu filho a longos dez anos, sem nunca receber uma visita. E a cada vez que eu despertava perdia um pouco da minha sanidade e o próximo delírio alongava-se mais ainda, talvez um dia eu não volte, assim como muitos de meus companheiros que vivem felizes presos a um delírio eterno, pois despertar para a realidade era cada vez mais angustiante, viver a realidade era o meu inferno.