Assalto, Morte, Impunidade
Debruçou o corpo sob o piso de azulejo gelado, inconsciente. O sangue escorria quente por entre a camisa, uma dor forte lhe assolou o ventre. Alguns gritos e dois estampidos, altos e fortes como tiros. Uma lágrima escorreu o rosto, ainda as pessoas gritavam.
Dia normal. Seguia comumente a rotina habitual diária de um bom vendedor de comidas. O movimento estava regular, alguns cobradores de mercadorias, mas a grande maioria levara para casa pão e leite. Ao todo, seu caixa, numa gaveta a baixo do armário, acumulava trezentos reais. Havia calculado, desses, cem reais já seriam empregados para o pagamento de uma dívida, uma geladeira cinza que dera de presente para sua mulher, parcelado em vinte e quatro vezes. Mais cinqüenta desses seriam emprestados ao único filho, seu orgulho maior, que montava a casa e casaria em dias. Dos trezentos, lhe sobrariam apenas cento e cinqüenta. Suspirou.
O relógio marcara dezoito e trinta. A noite encostara rápida. Um frio intenso, em torno de dois graus, fazendo encasacar-se ainda mais. Estava prestes a fechar o bar, como todos os dias, mas nesse, em especial, resolveu adiar por dez minutos. Não sabia ao certo porque, pensara em ganhar alguns trocados a mais, ir para a casa, tomar seu banho, um copo de vinho, assistir a novela das oito, jantar e dormir. Tudo ao lado de sua esposa, que acompanhava sua rotina todos os dias também no bar. E era uma rotina cansativa. Acordavam, os dois, todo santo dia às seis horas da manha. Costume de família italiana, ao qual era de origem. Tomava três cuias de chimarrão, um banho, e ia se indo para o bar. E seu dia se passava por ali, numa vida marcada por suor e persistência, uma vida de cinqüenta e dois anos.
- Todo mundo pro chão e com as mãos na cabeça. – Essa foi a última frase que conseguiu assimilar antes de desfalecer.
Obedeceu. Sua esposa, ao seu lado, também. Deitaram, com as mãos para trás, na cabeça, as oito pessoas que faziam compras, nos últimos dez minutos antes do fechamento do bar. Nenhum único movimento,sentia medo, como poucas vezes na vida.
- Me passa todo o dinheiro do caixa. – A voz dos dois homens encapuzados, um de pele branca, baixo, outro negro e forte, parecia ainda mais alta.
Obedeceu novamente.
Levantou o braço, lentamente, e encostou a ponta dos dedos no armário. Sua mão tremia, seu coração palpitava. Abriu a gaveta. As armas apontando, uma para sua cabeça, e outra para a sua esposa. Retirou dali os trezentos reais com remorso. Era um dinheiro ganho com sofreguidão, com luta. Entregou o dinheiro para o homem encapuzado da pele negra, aparentemente o mais nervoso.
- Agora ninguém vai levantar até eu sair. – Gritou o assaltante. - Se não vou estourar os miolos de todos vocês.
Deram, os dois, três passos para trás. O dono do bar, nervoso, fechou a gaveta, com um pouco mais de força, fazendo um barulho alto. O assaltante voltou, e sem pensar duas vezes, disparou três vezes contra seu corpo. Tiros que lhe atingiram o pulmão, entrando pelas costas, perfurando toda sua caixa torácica, costelas, pulmão.
Um silêncio prevaleceu por segundos, minutos talvez. Durou o tempo necessário para os dois assaltantes fugir, impunes, para nunca serem descobertos. Durou o tempo necessário para deixar um garoto órfão, uma mulher viúva e um infinito número de pessoas tristes.
Trezentos reais. Mata-se por pouco menos de nada. A impunidade prevalece.
Velado e enterrado. Pessoas ressentidas. Os dois bandidos soltos, devem estar assaltando e matando mais pessoas inocentes por aí.
Mundo injusto este nosso. E a culpa é de quem?