UM CASO INTRIGANTE

O dia amanheceu com o sol de sorriso aberto. Os pássaros com seus cantos sonoros anunciam um dia sem chuva. Fim de semana que chega com prenúncios de bons passeios. Para a molecada que esperava apenas o aval dos pais para saírem para pescar no Rio das Velhas, os ponteiros do relógio não andavam, corriam.

Não era casualmente que podiam sair para um lugar mais distante de casa, mas as mães não se oporiam porque os pais de alguns estariam juntos na aventura daquele sábado ensolarado.

Cinco jovens e dois senhores, muita tralha de pesca, barracas para dormir, o brasileirinho arroz com feijão, carne de sol, e guloseimas que a rapaziada aprecia. Tudo conferido, não faltava nada, o refrigerante afundado no gelo e nada de bebidas alcoólicas. Naquela época a juventude não precisava de subterfúgios para se divertir, nem mesmo o cigarro comum era lembrado para ser levado para a beira dos rios.

Todo mundo apertado na camionete antiga, mas o desconforto do passeio, que uns podem chamar de Programa de Índio, não desbotava a alegria e não incomodava a nenhum dos pretensiosos pescadores.

A conversa amena entre eles esquentava às vezes com uns e outros contando historias de pescador, e insinuando ser o melhor do grupo, prometendo pescar os maiores espécimes, o que era caso de muita gargalhada no interior do veículo.

Nessas empreitadas juvenis, sempre há aquele que se destaca como o mais afoito, indo mais a frente, sem preocupar em desviar dos outros, acreditando que não existe perigo, ou mistérios nos lugares desconhecidos.

Foi exatamente por ser assim, que um dos adolescentes viveu os momentos mais estranhos e cabulosos de sua vida. O jovem se afastou do restante do grupo, com o intuito de encontrar um bom lugar para armar o acampamento, sendo mais ágil que os demais não percebeu que pegou um atalho que o separou totalmente dos amigos e do pai.

Foi exatamente no momento que notou que se encontrava só, que vislumbrou a poucos metros à sua frente uma barraca montada, era do tipo que ele não conhecia, parecia ser um modelo bem antigo, totalmente diferente da que ele possuía. Pensou em avançar, mas algo o deteve. Uma mata divisora, o separava da estranha cena que ele veria a seguir.

De dentro da barraca ele vê sair um negro, alto, forte, vestindo uma calça de algodão cru no modelo das usadas pelos escravos em novelas de época, seu dorso estava nu, e pelas feições do homem ele percebe que está nervoso e com muita raiva, pois gesticula e fala, mas o garoto não consegue ouvir nada do que ele diz, apesar da proximidade entre eles. O moleque sente seu sangue gelar nas veias, pois o homem adentra na barraca e volta imediatamente, trazendo arrastada pelos cabelos uma mulher nua. Não tão negra quanto ele, mas a pele é bem escura. A mulher se debate e grita, mas o jovem não ouve a sua voz. O homem tem um facão na mão e sem dó ou piedade golpeia a mulher no pescoço, separando a cabeça do corpo. Imediatamente, esconde o corpo mutilado dentro de um saco, arrasta de volta para dentro da barraca, deixando um rastro de sangue e sinais na terra seca, coberta de poeira. O silencio impera no local.

De pernas bambas, o rapaz assiste a cena, que se passa rapidamente, mas que dá a impressão de se perpetuar no tempo. Ao olhar para trás, vê o pai e os amigos conversando animadamente, passando num barranco mais acima de onde ele se encontra.

Ele respira fundo, suando frio, cria coragem para correr, mas sua cabeça está confusa com os acontecimentos, ele não sabe se conta o que viu, pois tem medo do homem mau, do assassino cruel que covardemente tirou a vida de uma indefesa mulher.

Ele se encontra com o grupo que já armou o acampamento do outro lado, e voltaram porque ele havia se distanciado e se preocuparam porque o perderam de vista. Procurando não demonstrar o pavor que está sentindo, alega outros motivos para convencer a todos que passem pelas proximidades da margem onde estava montada a barraca do infeliz casal.

Qual não foi seu espanto, quando nada avistou no exato lugar onde a apavorante cena havia se desenrolado bem à sua frente há poucos minutos. Nenhum rastro; nenhuma evidencia do nefasto e covarde homicídio, a terra estava sem mácula.

Durante muitos anos após a bizarra visão, o jovem ainda procurou vestígios daquele casal. Pesquisou noticias em jornais, indagou pela cidade se alguém conhecia ou ouvira falar de algum crime semelhante. Mas tudo em vão. Muitas e muitas vezes ele voltou para pescar às margens do Rio das Velhas, e depois de adulto pescava em sua canoa, e não cansava de indagar a outros pescadores mais antigos se eles sabiam, ou pelo menos ouviram dizer se havia sido encontrado o corpo mutilado de uma mulher negra, inclusive se arriscava a dar a descrição física do homem negro, mas nunca ninguém lhe deu qualquer pista daquele misterioso casal.