MISTÉRIOS DA VIDA E DA MORTE

O homem de barba grossa e grisalha passa uma boa parte do tempo sentado na porta da casa.

A aposentadoria lhe fizera muito bem, aliás, muito merecida, pois trabalhava desde os doze anos de idade. Sobra-lhe tempo para viver de lembranças, algumas boas e próximas, outras nem tanto.

Ali, sentado sozinho, sentindo o vento com cheiro de flor tocar sua pele, sua memória o leva para o passado, relembra fatos de sua adolescência, são recordações de seu avô paterno que nesse instante lhe vêem à mente. Um senhor muito distinto que usava chapéu Panamá. Tinha o hábito de passar as férias em sua companhia.

Perdera a mãe ainda criança, o pai buscara outros caminhos e ele ficara à mercê do destino. Mas tinha têmpera, possuía boa índole, e hoje ainda crê que a mãe cuidava dele lá da Eternidade.

Quando estava com quinze anos, aproveitando os dias de folga foi visitar o vovô como de costume, e quis surpreende- lo, nunca usara chapéu, mas no percurso da viagem escolheu um bem interessante e comprou.

Riu sozinho de seu intento, sabia o que estava fazendo.

Estava sendo esperado, não pegaria ninguém de surpresa, mas quando chegou notou que o bom velho ficou muito impressionado olhando para o neto que ele carinhosamente chama apenas de Menino, e exclamou comovido:

- Menino, és um homem agora, estás usando chapéu! Sorriu e abraçou efusivamente o jovem.

Foram dias de alegria aqueles, se fartando com as comidas preferidas, ouvindo histórias e principalmente ali sentia- se sempre criança, não se imaginava sem aquele aconchego. Na despedida recebeu um abraço apertado e uma bênção:

-Deus o abençoe Menino, que venham logo as próximas férias.

Sim, eram dias felizes! Mas o que aconteceu alguns meses depois daquela estadia até hoje o incomoda. Morava distante e as visitas não eram recíprocas, sem contar que faltava muito para gozar do merecido descanso anual. O moço acordou assustado de madrugada, ouvindo a voz inconfundível daquele ancião que ele tanto amava:

- Menino, Menino, me ajude!

Ele pula da cama e chama pelo pai:

– Pai o vovô está aqui, eu o ouvi chamar.

O pai meio sonolento, acha que foi um sonho, pois não ouvira nada. Uma chuva fria caindo lá fora.

Com muito custo o rapaz volta a dormir.

Novamente é acordado pela mesma voz sonora e angustiante chamando por ele e com certeza precisando da sua ajuda.

Ele chorando acorda novamente o pai e diz soluçando:

- Aconteceu alguma coisa com o meu avô, eu o ouvi me chamando aqui na porta.O pai o acalma, foi apenas um sonho, verifica e comprova não há ninguém lá fora.

O rapaz não dormiu, esperou o sol trazer um novo dia, pois quando amanhece as tristezas da noite sempre ficam para trás.

Mas não foi assim como desejou que aconteceu. Pela manhã recebem um telefonema informando do desaparecimento do avô. Horas de angustia à espera por novas noticias. Somente ao cair da tarde ficam sabendo que ele visitava a filha em um bairro da cidade onde morava e ao dirigir- se para pegar o ônibus de volta para casa, é surpreendido no caminho por um assaltante, que o feriu, e como chovia aproveitou para jogá-lo numa valeta que foi enchendo de água e devido à idade avançada e ao ferimento não resistiu e faleceu.

Ficou atestada a hora da morte: 1: 10 da manhã, hora que o homem que vive de lembranças o ouviu chamar por ele. Foi a ultima vez que o avô o chamou de Menino.