O ENGANADOR

A madrugada fresca e cheirando a terra molhada, marca o final do mês mais esperado do ano. Dali a alguns dias será natal. As famílias aguardando ansiosas as festas de confraternização. A pequena cidade interiorana ainda é um bom lugar para morar. A moça de longos cabelos dirige- se para a casa. Contrariada faz o turno da noite, infelizmente não tem outra escolha, pois trabalha no restaurante de um desses postos de gasolina instalados na beira da estrada. A empresa mantém uma condução que para na avenida, a quatro quadras de sua residência. Um mal estar interior incomodou a jovem durante todo o dia. A sensação de que um leão faminto a rodeava dava- lhe calafrios. Ela confia em Deus e reza ao seu anjo da guarda pedindo- lhe proteção, principalmente quando é obrigada a andar sozinha pelas ruas desertas do seu bairro que é muito afastado dos demais. Faz o percurso em sobressalto principalmente porque há uma onda de crimes acontecendo na cidade, cujas vítimas são mulheres sozinhas. Ela pensa no filhinho que ficou em casa aos cuidados da prima. O marido caminhoneiro passa muito tempo na estrada, ambos poupam dinheiro para pagar o terreno onde construirão a tão sonhada habitação da família. A população anda em polvorosa devido aos crimes hediondos que acontecem há alguns meses. O retrato falado do suposto assassino em série fora veiculado em toda a mídia, cópias foram entregues nos estabelecimentos comerciais da cidade, e a moça que caminha sozinha também volta seu pensamento para a tal descrição. Avançando mais duas esquinas estará sã e salva no calor de seu lar. O destino, porém não lhe deu seu beneplácito, a moça tem seus cabelos agarrados, a dor é imensa, ela sente as garras rasgando a pele e arrancando pedaços de carne de seu pescoço, amordaçam sua boca, não consegue gritar, seus olhos não enxergam mais nada, sem sentido mergulha nas trevas. Ela tem suas roupas arrancadas e um torpor toma conta de sua mente, o odor de algo semelhante a enxofre inunda suas narinas. Os minutos que se seguem parecem durar uma eternidade, ela está entre o céu e a terra, dores atrozes a fazem desejar a morte, mas o pensamento no filho e no marido a obrigam a lutar pela vida. Ela ouve frases desconexas durante o trajeto que não sabe aonde a levará. Perdera a noção do tempo, mas tem certeza que o local que a estão levando é longe. Ela não distingue rostos, nem sexo, tem a impressão de estar entre feras ou bestas humanas, o mau cheiro é nauseabundo, o medo que a domina é descomunal. Num momento de lucidez ela distingue a porteira da entrada de uma fazenda. É arrastada pelo chão, todos os seus ossos doem. Ela consegue distinguir várias figuras vestidas de preto ao redor de uma mesa de pedra, como se fosse um altar de sacrifícios. Seu sangue gela em suas veias, está semimorta quando a subjugam e amarram suas mãos e pés sobre a ardósia gelada, enquanto isso entoam orações em uma língua desconhecida, pela primeira e ultima vez ela participa de um ritual satânico. A jovem de cabelos vermelhos tem seus olhos perfurados, sua língua cortada, sofre interminável sessão de tortura, os demônios a estupram, sodomizam e arrancam seus seios com suas presas afiadas diante da assembléia histérica tomada de êxtase. As mulheres da pacata cidade depois de meses de aflição voltam a sentir segurança, finalmente o monstro autor dos assassinatos em série e dos crimes mais violentos da região, cujo retrato falado o denunciara, estava preso. As autoridades não estudaram com rigor o perfil psicopatológico do suposto criminoso, e deram pouca importância ao modus operandi e a falta de “assinatura” nos crimes, mas a sociedade precisava de um culpado, e o criminoso em questão servia para abrandar o clamor público que cobrava da policia austeridade nas investigações. O homem preso é impotente sexualmente, não possui destreza para se locomover rapidamente ou correr, pessoa pacata e de poucos amigos. A dúvida sobre sua real participação é uma pulga atrás da orelha das pessoas que o conhecem intimamente. Mas se ele pagará ou não pelos crimes a justiça que decidirá. Enquanto o processo corre lentamente nos tribunais, o elegante Príncipe desse mundo, continua à cata das próximas vítimas. Fétido e mentiroso ele continua agindo, quer realizar seus sádicos desejos e escolhe com acuidade aqueles que lhe darão o prazer de desafiar o Criador. Atingindo as criaturas sente- se orgulhoso e poderoso. Os homens que adoram o poder são seus súditos. As pessoas desprotegidas são suas vítimas para o sacrifício, e os fracos e solitários são usados como bodes expiatórios para camuflar sua verdadeira identidade, uns inocentes, outros culpados, pois compartilham do mesmo desejo insano de destruir e matar.