Das Suas Metades
Ele tentava se reduzir. Ao meio e à metade. Mas era fraca, a sua vontade. Ele lutava. Contra a metade inexistente. Porém ela permanecia ali sem ser nem estar. E, no entanto, continuava. Como a enxurrada que, às vezes, está sempre no mesmo lugar, mas as águas são sempre outras. Ou são limpas ou são sujas. São. Mas ele não, só a metade. Metade do amor, que não era. Metade da dor que se multiplicava. Duplicava. Era a vida que ele sabia onde estava. Ele sabia, pois julgava a outra metade – perdida - ele considerava as partes; ele considerava as perdas e calculava os ganhos, parcos. Poucos. Como um sorriso sincero amarelo. Um adestramento de feras domésticas: os afetos. Uma admoestação dos maus pensamentos que não deixamos de pensar. Coisas essas que preenchem as metades. A fusão de quem fala e de quem diz para aquele a quem dizemos. São dois e a raiz quadrada. E a metade do círculo, e o homem fugidio. E a letra pi. E o som e seu eco silencioso. São segredos olvidados. Parte de um, portanto, não mais segredo. Sem partilha. Mas relembrado no papel. Propagado pela curiosidade de quem quer saber, provar da minha língua. O grafite no papel. Meu papel na voz que potencializa e que revela o segredo, como pitonisa. Profético. Às metades. E as coisas incontínuas. Os abortos. Os ditos. Populares. E os nãoditos. E, claro, os pecados. Escondidos em um recanto estratégico. Em consciências mais profundas, talvez. E em mundos mais verdadeiros, porém paralelos. Paradigmáticos... A falha do seu sono – dentro, o pesadelo ao paraíso – e seu despertar: a vida incompleta. Sempre dividida. Às vezes imitada, algumas outras, perdida. Ele tinha um pouco de mim. Que doava a você, em silêncio. Para á morte: seu meio, a vida. Para a existência, a continuidade biológica e a suposta evolução. Mais isto é só superstição, e isso e só mais uma metade. Apenas uma maneira de se chegar ao lugar... Ao lugar TOTAL pelas suas vastas metades, porque o homem é menos que a metade de sua metade. E aquele homem, que se nutria de metades, que possuía somente a metade do corpo, um fragmente de alma e a semente da existência embutida no umbigo, aquele homem, sim, era, foi, está, é mais que o próprio homem portador de um corpo e de uma alma. Porque sabia das suas metades, as que não tinha.