O ESPANTALHO

No meio da vinha, o espantalho parecia um homem de verdade. De longe, só se notava sua cabeça acima da vinha. Uma das imagens que faz parte da lembrança de quem foi jovem de antigamente nas lidas das vindimas. Um boneco grotesco para espantar canários, pardais e outros pássaros, erguido num tronco que parecia uma cruz. Feito de roupa pobre, remendos coloridos, tudo nele é residual. Deixado no tempo, ao sol e sereno, chuva e poeira.

Toda a família e alguns amigos e vizinhos, cada um com um cestinho e canivete, para a apanha das uvas, se dirigiam em fila indiana pelo atalho, entre arvoredos com destino à vinha. Esta ficava situada a uma centena de metros da estrada, municipal e era rodeada de matas. Iam algumas crianças, com brinquedos e com saquinhos de bolachas para o lanche.

Chegando finalmente à vinha, abriram um portal, para as senhoras passarem e mais tarde ser fácil transportar as uvas em cestos às costas, sem saltar “passadouros”.

A vindima ia correndo normalmente, já havendo cestos cheios e alguns homens começavam a transportá-los para a estrada, onde estavam os “balceiros” colocados nos carros de bois.

Já estavam na zona de terreno, onde estava o espantalho. O Tio Joaquim, tirou-o e, encostou-o à parede do terreno. Continuou a sua labuta na vindima. A Maria, filha do Tio Joaquim, que estava ao lado dele, perguntou.

- Como falta pouco, não seria melhor eu ir preparando o almoço, ali no barracão?

- Acho que sim! – Respondeu o pai. – Leva um cesto de asa com uvas para comer no almoço.

Ela assim fez e quando chegou ao barracão ficou surpreendida ao ver o espantalho à porta. Não disse nada e aproximando-se dele, pegou-o e atirou-o para a parte posterior do barracão, principiando assar peixe em uma grelha e cortando o pão de trigo e de milho, às fatias, colocando-as em cima duma toalha que estava sobre uma mesa de pedra, em frente à porta do velho barracão.

Meia hora depois, vieram todos almoçar e quando terminaram, ela foi lavar a louça na parte de trás do barracão, onde tinha um tanque com água, mas… onde estava o espantalho que dantes tinha atirado para ali? Os nervos começaram a invadir todo o corpo. Tinha a certeza que enviara o espantalho para ali. Tentou esquecer e foi para junto do pessoal, continuar a vindimar. Uma hora depois, a vindima estava concluída, olhando à volta, o sol quente com a frescura dos arvoredos em volta da vinha, que tanto lhe sabia bem.

Olhando em seu redor, avistou algumas pessoas a dirigirem-se para a saída e ela fez o mesmo. Avistou o espantalho em cima de uma parede, deitado, como se alguém o tivesse colocado ali. Esqueceu e seguiu o seu caminho, chegando à estrada, colocou um cesto de uvas, colhidas para jantar, no carro. Sentou-se na beira traseira, esperando a saída e de repente avistou a cabeça do espantalho correndo em cima da parede da vinha, lá ao fundo. Quase caiu do carro e tremia de medo. Ao chegar a casa, foi à cozinha beber um copo de água. Veio à janela à janela e avistou o espantalho à porta da Adega. Saiu pela porta fora, dirigiu-se à Adega, pegou nele rompendo os trapos velhos, partiu o tronco de madeira e atirou-os para um monte de achas que estavam ao fundo, no quintal destinadas para e lareira. Fim da inquieta obsessão e nervosismo.

Na cozinha, foi pôr a mesa, colocando as uvas que tinha trazido e foi aquecer o jantar. Meia hora mais tarde, entra um sobrinho, uma criança de seis anos, chorando muito, dirigiu-se a ela dizendo.

- Tia, o espantalho que eu trouxe, roubaram-me. Eu quero o espantalho!... Ah!... ah!... ah!... ah!...

Ela ficou pasmada de boca aberta, olhando o sobrinho, sem poder fazer ou dizer nada. Mal se podia mexer.

90/02/22

OP Silva
Enviado por OP Silva em 17/07/2010
Código do texto: T2383527