Sinfonia Mortal

Quase toda noite, ouvia-se o som de flauta, suave, doce, como a melodia de uma triste e bela canção! A qualidade do flautista era insofismável, um primor impar. Quem vagava pelas ruas de Andaluzia, nas noites que se tocava a flauta, eram todos agraciados com um som que varria as agonias, enchendo os corações de paz e amor e uma ânsia nada frugal...

Era em noites enluaradas, ou em algumas das vezes chuvosas, calorentas ou frias. Não tinha uma noite determinante em si, somente o inesperado. É que todos só tinham uma única certeza a do horário, era sempre o mesmo. O som da sinfonia corria pelos becos, pelas vielas e invadia os quartos de pensões que circundavam a região mal iluminada, porém o eco melódico conseguia alcançar os ouvidos de todos.

Nestas noites sinfônicas o que ninguém percebia era o transe que os inebriavam. Embevecidos, os que não se entregavam ao sexo, rendiam-se as bebedeiras. As ninfas que comercializavam suas intimidades ao ouvirem o som torpe devoravam-se e se deixavam devorar-se com ferocidade.

Eram poucos minutos, contudo já eram os minutos mais aguardados pelos transeuntes e moradores da região. Semanas e semanas, meses e meses. Curtindo as noites sinfônicas de Andaluzia. Então começou aparecer: corpos pelos becos, de mulheres, prostitutas, de homens mendigos, um político envolvido com abusos de menores também foi encontrado morto. Os corpos brotavam como capins, alastrados pelos campos.

O pânico foi se espalhando durante o dia, e a noite vinha à calmaria com as sonatas tocadas pelo flautista harmônico e anônimo. Enlouquecidos os moradores temiam sair à noite para não serem a próxima vitima. Vitimas que só não tinha, quando não se ouvia o solo da flauta. E foi numa noite fria, onde a lua não apareceu, que todos ouviram o ultimo entoar da flauta, a composição era inédita, nunca, jamais apreciada pelos residentes da cidadela de Andaluzia.

A flauta parecia chorar e se fosse um tenor num ato de sua ópera, podia-se dizer que ele cantava para sua morte. De repente, o som foi cortado, os ouvintes que se deliciavam despertaram de seus transes, alguns envergonhados por estarem em situações lascivas com desconhecidos, outros com armas em punhos a beira de um ato de loucura, para matar ou se matarem.

No amanhecer do outro dia, não havia mais corpos, e sim um miúdo e pálido corpo, caído num beco, de uma jovem moça, com os punhos cortados, a flauta numa mão e na outra um pequeno bilhete escrito:

- Assim como os meus ratos, se hipnotizavam ao som de minha flauta, descobri que os homens também se hipnotizam, porém não sabia que eles eram mais irracionais que os meus ratos...

valdison compositor
Enviado por valdison compositor em 06/07/2010
Código do texto: T2362841