Dentro da caixa

A pá bateu contra algo sólido escondido no solo, Diogo interrompeu a busca por um momento, não sabia ao certo o que pensar, podia ser apenas uma grande coincidência. Estava cavando já fazia quase três horas e havia feito um buraco considerável; respirou fundo, logo a noite cairia e ele queria ir embora antes que isso acontecesse. Estava há dias sem dormir direito, vinha tendo visões estranhas que o incomodavam, na verdade ele não sabia se eram visões de verdade; no começo pareciam apenas pedaços de algum filme dentro de sua cabeça, em seguida aquilo se tornou mais vívido, era como se as imagens de sua mente estivessem sendo projetadas para fora do cérebro e ele era envolvido por elas onde quer que estivesse.

Diogo guardou segredo, primeiro por medo, não sabia o que as pessoas poderiam pensar se ele contasse para alguém, mas as coisas foram piorando mais e mais. Com o tempo as imagens passaram a invadir seu sono e seus sonhos também; Era como uma mensagem repetitiva sendo repassada em sua cabeça continuamente e por dias.

Ele via uma caixa de ferro escura e bastante enferrujada sendo colocada por alguém dentro de um buraco e sendo enterrada em seguida; o lugar era inóspito, apenas um grande descampado até aonde a vista podia alcançar muito embora ele tivesse a vaga sensação de que conhecia o lugar, porém, não era aquele onde Diogo estava cavando. A pessoa que estava fazendo aquilo ele não via por completo, na verdade, a imagem era em primeira pessoa, como se fosse ele próprio quem tinha enterrado aquela caixa, mas tinha certeza de que em toda a sua vida nunca fizera algo semelhante; jamais havia enterrado uma caixa como aquela.

A caixa, aliás, media não mais do que um metro, semelhante a um baú; era escura, possuía correntes que a envolviam de ponta a ponta e um grande cadeado parecido com aqueles usados em grandes jaulas de ferro.

Com mais alguns golpes de pá para retirar a terra e o barro que estavam sobre o objeto enterrado ele pode constatar que verdadeiramente se tratava de um caixote o que estava ali, exatamente como o visto em suas visões ou mensagens ou o que quer que fosse aquilo.

Abaixando-se ele retirou o objeto de dentro de sua cova, cavando o restante da terra com as próprias mãos nas laterais e puxando em seguida; a caixa tinha duas alças laterais e era parcialmente parecida com aquela vista em seus sonhos, exceto pelo fato de que esta não possuía correntes e a de suas visões não tinham alças, mas esta estava em um avançado estado de degradação do ferro, provavelmente pela umidade do solo durante sabe lá quanto tempo que aquilo ficou enterrado ali.

A ferrugem tinha tomado quase que totalmente a caixa e as dobradiças da tampa pareciam não suportar o esforço caso fossem abertas.

Diogo cuidadosamente passou a mão sobre o tampo da caixa tentando ver se havia algo escrito e aproveitou para tirar toda sujeira solta dela, mas não pode ver nada que não fosse ferrugem. Teve medo de abrir aquele objeto e perceber que o que estava guardado ali era na verdade algum artefato radioativo enterrado por algum irresponsável qualquer que julgou que ninguém o encontraria; ele não podia adivinhar, talvez fosse lixo hospitalar radioativo ou extremamente contagioso; infelizmente muitos hospitais pelo país tinham esse péssimo habito, mas se fosse esse o caso aquilo não explicaria as visões. Na verdade ele queria apenas caminhar em terreno conhecido, estava tentando fazer sua mente trabalhar com informações e sentimentos que ele pudesse dominar, mesmo que fossem informações como aquelas e que o sentimento fosse o medo, afinal de contas o medo é extremamente familiar para todos. No fundo ele sabia que não era nada daquilo. Diogo ainda não sabia, mas o que estava dentro da caixa era algo que ele jamais imaginaria encontrar e poderia ser muito pior do que seus pensamentos e especulações, dependendo de como fosse usado.

Ele já se sentia um completo lunático só pelo fato de estar seguindo sensações e impressões que o levaram até aquele lugar; nunca antes na vida ele tinha experimentado qualquer tipo de experiência sobrenatural; absolutamente nada. Nunca tinha sentido nem um “Dèjá Vu” em toda a vida, ao menos não se lembrava disso, tampouco lembrava de ter sonhos premonitórios ou reveladores como muitas pessoas afirmam mundo afora.

Não costumava consultar horóscopos, não era supersticioso e considerava-se relativamente racional com relação à praticamente todas as coisas da vida. Diogo pensava que as coisas inexplicáveis permaneciam assim apenas até que a razão humana evoluísse o suficiente para sanar tais dúvidas e ainda segundo seu raciocínio, no futuro todas as perguntas teriam uma resposta plausível e perfeitamente embasada, até mesmo as clássicas perguntas universais como: De onde viemos? Qual o sentido da vida? E, para aonde vamos?

Mas ele não tinha respostas para um sonho repetido que o acometia diversas vezes durante tanto tempo e também quando estava acordado, e foi justamente por isso que havia resolvido descobrir o que estava por trás daquilo. Estava, antes de tudo, atrás de respostas.

Mas como explicar uma visão que mostrava exatamente o local onde estava enterrado um baú?

Diogo sentou-se e fez força na tampa, como a caixa que ele desenterrou não tinha correntes como a da visão talvez ele pudesse abrir facilmente, mas não foi o que ocorreu. A tampa não abriu, ou estava trancada de uma forma diferente visto que não tinha fechadura alguma ou as dobradiças estavam tão enferrujadas que já não se moviam nem se moveriam mais.

Lançou mão da pá que usou para abrir aquele buraco e colocou a borda da parte de metal da mesma na fenda mínima entre a tampa e o corpo do baú; fez força algumas vezes como uma espécie de alavanca até que finalmente a tampa cedeu estourando as dobradiças enferrujadas.

A tampa se soltou, mas Diogo não a tirou de imediato, só naquele momento ele percebeu o quanto estava nervoso; suas mãos suavam um pouco o que para um homem pragmático como ele era muito normal se considerasse a estranheza da situação na qual estava envolvido.

O que poderia ter sido escondido que pudesse induzir um homem comum como Diogo Medeiros a quase perder o juízo e se lançar na procura daquela caixa para finalmente conseguir ter sua mente em paz novamente? Finalmente saberia.

Cuidadosamente ele retirou a tampa. Jamais podia imaginar que na sua vida ia ver algo como aquilo. As dúvidas continuavam, tampouco sabia o motivo de aquele objeto ser capaz induzir imagens em sua mente. Que ligação ele poderia ter com aquilo?

Olhou novamente para o apetrecho. O interior da caixa ao contrário do exterior estava bem cuidado, revestido com o que parecia ser um tecido, provavelmente veludo e bem no centro da caixa, perfeitamente acondicionado estava o objeto.

Ao ver aquilo Diogo soube que muitas de suas teorias e hipóteses com relação a vida não se sustentariam por muito mais tempo, na verdade, muitas das teorias e hipóteses de todas as pessoas perderiam o valor logo que pusessem seus olhos sobre aquele magnífico objeto.

Ficou sem reação por alguns segundos; os olhos vidrados sobre as formas do objeto sem acreditar. Quantos já tinham procurado aquilo? Tinha que mostrar para alguém.

Por outro lado, como ele mostraria aquilo para outras pessoas? E como elas reagiriam?

Não podia levar aquilo para casa, podia ser arriscado. E se alguém o visse com o objeto? O que pensariam? Não conhecia nenhum lugar seguro o bastante para esconder o baú. Tinha que pensar a respeito e rápido, decidir o que fazer primeiro antes de qualquer passo.

A vida de Diogo tinha mudado dramaticamente no momento em que abriu o baú e as implicações futuras eram inconcebíveis; seria muito melhor se ele tivesse ignorado as visões e os sonhos; poderia ter tentado por mais algum tempo na esperança de que eles desaparecessem ou migrassem para outra pessoa. Talvez o objeto não tivesse uma ligação especifica com ele, mas sim fosse algo que ocorria com vários indivíduos até que um qualquer atendesse o chamado. Diogo não tinha condições e nem sabia como lhe dar com aquilo; foi então que a idéia lhe ocorreu.

Enterraria novamente o baú e seu conteúdo extraordinário, ao menos até saber exatamente o que fazer e como proceder; porém a caixa estava com as dobradiças quebradas e isso poderia de alguma forma ser prejudicial ao objeto tão precioso e único como aquele, não queria expô-lo à ação do solo úmido, portanto não poderia enterrá-lo sem a proteção de um invólucro, afinal, não sabia como o solo podia afetá-lo e não queria correr esse risco. Instantaneamente Diogo lembrou da visão. Ele decidiu que conseguiria algumas correntes e um cadeado, talvez até um novo baú para acondicionar o objeto de uma forma mais adequada e logo que possível o enterraria ainda mais fundo no lugar mais longe possível das demais pessoas, a princípio aquilo era seu e só seu, ele o encontrou, tinha direito sobre ele.

Recolocou a tampa no devido lugar de uma forma parcial tomando o cuidado para não deixar brechas por onde a terra pudesse entrar e depositou o baú novamente em sua cova; começou a cobri-lo com terra novamente. Marcaria o lugar e voltaria mais tarde, provavelmente durante a noite, com tudo o que precisava para manter o objeto a salvo.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 01/07/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2352695
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