Solidão urbana.
Ela entra apressada, sai caminhando pela sala, tirando rapidamente as roupas molhadas, sapatos, chapéu.
Some pela direita, deve ter ido ao banheiro, pensa ele.
Ultimamente ela anda triste. Que teria acontecido?
Ele corrói-se em curiosidades mórbidas. Será que o namorado brigou com ela?
Sorri a esta hipótese, seria uma oportunidade preciosa...
Ela volta para a sala, agora já com o velho chambre xadrez que ele conhece tão bem e a deixa mais linda ainda, com ares de desprotegida.
Ah! meu amor, me deixa cuidar de ti, de tua vida... pensa ele.
Ela senta-se no sofá pequeno, olhando tristemente para o nada, enquanto sorve devagar o que ele imagina ser algum chá.
Terminado o chá, deposita a xícara na mesinha ao lado. Enrosca as pernas em baixo do corpo ao mesmo tempo em que puxa o chambre mais para perto do corpo magro em atitude de desamparo e solidão.
Abundantes, as lágrimas começam a cair suavemente pelo rosto delicado e pálido.
Não! Grita ele intimamente. Não chore meu amor, meu tesouro, eu estou aqui, não esqueça jamais!
Inesperadamente ela levanta-se rápido demais para seu estado emocional recente.
Corre e some pela esquerda. Que teria acontecido?
Tomara que não seja o namorado, pensa ele entre a raiva e o desespero, agora que começava a nutrir esperanças...
Puta merda! E não é que era ele mesmo?
Inicia-se uma discussão violenta. Ela parece gritar e chorar, o homem permanece frio e hostil.
NÃO! O tapa que a calou veio antes que ele pudesse fazer alguma coisa, se é que o faria, se é que poderia fazer algo pela amada.
Cadê o celular? Procura desesperado.
Não adianta gritar porque a mãe saíra e os vizinhos estão todos na rua naquele horário.
Volta a olhar para a cena que assiste passivamente e angustiado.
Agora ela chora silenciosamente enquanto ele quase desfalece em soluços descontrolados.
Sabe que para ela ele não existe, não passa de uma janela iluminada no prédio em frente.
Porque a vida tem que ser tão injusta? Porque não pode ele estar no lugar daquele homem, amando-a e fazendo-a feliz?
São perguntas sem respostas, pensa ele já conformado novamente.
Assiste impassível e chocado enquanto o animal bate muito em sua amada, que termina caída no sofá, com as marcas da violência no corpo inerte.
O namorado sai rapidamente. Minutos após, entra a amiga, muito assustada.
Tremendo, usa o celular. Corre ao sofá para verificar a pulsação da amiga.
Mas isto tudo ele não vê mais. Está em estado de choque.
Quando a mãe do jovem cadeirante chega ao amplo quarto iluminado, encontra-o como sempre à janela, o binóculo caído no chão.
- Desculpe filho, esqueci de deixar teu celular na mesinha... Filho?
Ele já não ouve. Tarde demais.