NOITES DE CHUVA E VENTO - O. P. Silva

Capítulo 1

Numa tarde já fria de princípio de Inverno, as pessoas da freguesia, recolhiam-se ao aconchego dos lares.

Os últimos clarões da luz do Sol, já fracos e gastos, depois de um Verão e de um Outono, em que brilharam intensamente, queimando as gentes e as terras, apagavam-se agora no horizonte.

Entre os habitantes da freguesia que de enxada às costas, seguiam apressados apetecendo o jantar e o descanso, o Tio António, velhote simpático e letrado, de idade avançada, - tinha para cima de setenta anos, - caminhava mais vagarosamente, apoiando-se à sua inseparável bengala, e dava as boas noites a um e outro que encontrava pelo caminho.

De uma rua lateral surgiu então um garoto, esperto e curioso, já convencido de que seria um homem dentro em breve, é o Emílio Silva.

Mal deu com o Tio António, logo se lhe dirigiu a correr.

- Boa noite, Tio António!

- Olá, rapaz, Deus seja convosco. Então, já de volta para o jantar?

- Sim, senhor, - respondeu o Emílio, depois do trabalho vem o descanso. Saí da Escola agora mesmo. O Tio António, logo à noite, conta-me mais uma daquelas histórias de fantasmas que sabe, sim?

- Logo à noite contarei, rapaz. Ide agora jantar, que já são horas e, como de costume, lá te espero à lareira. Até logo.

É ao canto da lareira, em casa do senhor António Correia, que toda a gente na freguesia conhece apenas por Tio António, que, nas longas e frias noites de Inverno, costumam, desde há muito, passar o Serão os dois amigos.

O Tio António, viúvo há longos anos, vive só naquela casa cheia de recordações e de saudades.

O Emílio vai lá para o ouvir, com muita atenção, as histórias que o bom velhote foi aprendendo pelos anos fora, e que conta com muito gosto, pois assim recorda um passado já distante. E como “recordar é viver” …

O Emílio gostava de ouvir todas as histórias, mas, curiosamente apreciava as de fantasmas, que segundo o Tio António, eram verdadeiras.

- Eh, rapaz, porque é que gostas muito das histórias de fantasmas?

- Ò Tio António, fascina-me o sobrenatural.

- Tu lês muitos romances desses?

- Sim. Acabei de ler um romance sobre vampiros e lobisomens.

- Então, vou-te contar uma história verdadeira, conhecida no seu tempo, como “O LOBISOMEM DE SÃO BRÁS”. Um homem tinha muitas vacas e costumava deixá-las fechadas de noite, numa “Arribana”. – Começou a contar o Tio António, a história, - Quando chegou lá de manhãzinha, para seguir com elas para os pastos, deparou com um boi perto delas e disse assim:

- Homessa! Como foi que este boi entrou cá para dentro. Eu deixei tudo acautelado e agora aparece aqui este boi sem mais nem menos.

- Ele começou a trabalhar para o pôr dali para fora, mas o diabo do boi não arredava pé do lugar donde estava. Ele lembrou-se que era um lobisomem e foi buscar uma aguilhada com um picão na ponta e trancou-o num quarto. Na mesma ocasião, caiu diante dele um rapaz todo nu, com a cara a deitar muito sangue, porque se ele o tivesse trancado na banda da cabeça não lhe tinha pegado na cara, Assim ficou ali uma ferida que nunca mais sarou.

Quando o rapaz veio a si, ficou muito admirado de ser lobisomem e disse:

- Agora o senhor vai-me pôr em casa, porque eu sou de São Brás e os meus pais com certeza que estão aflitos sem saber de mim.

O homem disse que ele esperasse ali, que iria a casa buscar roupa e não tardava. Assim foi. Quando chegou com ela, o rapaz vestiu-se logo e ele foi botá-lo em casa dos pais. O pai agradeceu muito a esse homem que o descobriu e disse que o filho andava há três anos nesta vida. O homem que o encontrou, era das Doze Ribeiras.

- É verdadeira esta história? – Perguntou Emílio. – Conte-me a origem do lobisomem, Tio António.

- É quando um casal tem sete filhos consecutivos, o último será lobisomem ou bruxa, conforme o sexo. A pessoa que tem esta sina procede durante o dia como qualquer outra. No entanto, é conhecida porque tem o rosto amarelecido, o físico sumido ou mirrado, os olhos encovados, sendo o seu aspecto doentio e melancólico. Por isso, quando se depara com alguém nas mesmas circunstâncias, costuma-se dizer: “Oh, aquele anda amarelo e tísico nem lobisomem.” A idade com que o lobisomem começa, varia duma localidade para a outra. Ele não sabe que tem esta sina nem sai de noite para a cumprir. As pessoas normalmente procuram não passar altas horas da noite por casas onde tenham sete filhos do mesmo sexo, para não se cruzarem com eles transformados em animais.

- Isso é só superstições!

- Não é bem assim, - continuou a contar com grande sabedoria, o Tio António. – Às terças e sextas-feiras, dias que o povo teme por serem de azar, o indivíduo que tem este fadário, sai de casa entre as onze e a meia-noite e ao passar por qualquer animal, entra nele. Assim, transformado em animal, o lobisomem anda pela rua onde permanece até às três horas da manhã. O povo acredita que, se houver alguém afoito que o fira e faça sair sangue do corpo, termina o seu fadário e retoma imediatamente a forma humana, caindo nu aos pés da pessoa que o desencantou ou descobriu. Em seguida, despe uma peça de roupa para o cobrir e fica na obrigação de entregá-lo à família. Quem o picar, tem que ir pô-lo em casa nessa ocasião, quer chova ou faça vento. Não se pode recusar, o lobisomem procura matar quem o descobre, dado que não quer ser conhecido. Por isso, a pessoa que o vai levar a casa deve deixá-lo à porta e andar sempre, porque, se espera por qualquer recompensa, pode receber uma desfeita.

- Ò Tio António, isto é mesmo verdade?

- É o que o povo conta e afirma! – Respondeu o Tio António. – Aconteceu muitos casos idênticos a estes, aqui na freguesia. Bem, sinto-me cansado. Toca a ir deitar que já é tarde. Até amanhã, se Deus quiser.

- Até amanhã, Tio António!

OP Silva
Enviado por OP Silva em 29/06/2010
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