O TUBARÃO...
Desde menina, eu já mergulhava. Meus pais não entendiam como uma menina criada na fazenda, em cima de um cavalo, gostava tanto de nadar e mais mergulhar.
Ah! Mas era minha paixão! Ficava horas nadando e mergulhando para me deslumbrar com as belezas do fundo do mar.
Papai diante da minha paixão mandou-me aprender mergulho com equipamentos e acabei tornando-me uma profissional.
Vivia às voltas com compras de equipamentos cada vez mais sofisticados.
Mas a garotinha que tão bem se comunicava com os animais da fazenda... e isso era comentário obrigatório e constante em rodinhas de comadres na cidade.... agora queria dominar a comunicação dos habitantes do mar... se podia falar e entender os daqui, porque não entender os de lá.
Os anos foram passando... a menina tornou se uma mulher, mas não deixou a paixão de lado.
O entendimento que tinha com os animais se aprimoraram.
Em meados de maio junto com amigos resolvemos viajar para Pernambuco.
Alguns queriam a pesca submarina. No meu caso em particular, era fotografar as belezas marinhas... tenho fotos lindas , outras bizarras, outras bem malucas, como a que tiramos em cima de uma moto no fundo do mar... para isso conto com amigos muito loucos.
Mas voltemos a minha viagem ao fundo do mar.
Fomos para praia da região de Maria Farinha, e nos hospedamos num hotel muito simpático, que além de tudo nos oferecia um dia de mergulho em alto mar...
Passaríamos o dia todo e teríamos direito a um lanche caprichado e equipamentos, ida e volta na lancha do próprio hotel e tudo acompanhado por dois monitores /instrutores.
Como sempre meu equipamento me acompanha, o resto estava tudo de acordo.
No dia estipulado, sexta-feira, todos às 6 horas da manhã no píer do hotel. Estando todos os presentes, lá vamos nós, rumo ao mar aberto.
Em alto mar, já devidamente equipados... monitores apostos, divididos em dois grupos de 4 pessoas... splash... todos para a água.
Eu, com meu equipamento fotográfico, mergulhamos o mais fundo que me permitiram... e me perdi em admiração... como é lindo , gente, o fundo do mar.!!!.
Quanto mais mergulho, mais admirada fico.... não me canso nunca de desfrutar com meus amiguinhos de cauda e guelras as belezas de corais, e espécimes de cores vibrantes...
E assim passei muito tempo... fotografando.... admirando... me divertindo com os outros , alguns novatos e assim a manhã se foi...
Fomos chamados e todos a vontade para o lanche, ríamos, brincava e o assunto claro, as peripécias de cada um....
Descanso cumprido... Novamente apostos. Um a um pulava cada qual com seu estilo.
Maravilhada com o que via não percebi o tempo passando, nem a corrente se modificando... a euforia tão perigosa à nós mergulhadores estava se instalando e eu não dei por mim...
E assim passei um longo tempo, distraída a brincar com as dóceis criaturinhas que me rodeavam tão curiosas quanto eu.
Fui nadando , nadando , brincando, fotografando... de repente... achei tudo muito estranho.
Meu sexto sentido, até então, adormecido pela imprudência... acordou.
Minha pele se arrepiou... um silencio perigoso aos meus ouvidos tocaram, senti meu estomago apertar.... algo não estava certo....
Uma sensação de terror nunca antes sentida , se apoderou de mim. Pensando em todos os cuidados que devemos ter; repassando- os em minha mente.... tentando manter a calma, sentia somente minhas nadadeiras em movimento, enquanto meu corpo em vertical subia.
Ao chegar à superfície... olhei em volta, procurando pelo barco...havia sumido... e o pessoal... também. E eu? ali sozinha naquele mundão de água .... sozinha.
Não acreditando no que via, ainda mergulhei a procura de alguém... mas nada.
Dizia a mim mesmo: estou sonhando e vou acordar a qualquer momento...
Aquela sensação de terror querendo tomar conta novamente do meu corpo, minha espinha dorsal parecia querer congelar... meu sangue primeiro ferveu e depois gelou.
Sou muito otimista e logo imaginei: eles estão brincando comigo... já fizeram isso uma vez...onde foi mesmo? sei lá... não consigo pensar.
E resolvi então manter à calma acima de tudo e esperar.... fazia brincadeiras, ria, cantava... descobri que é o melhor lugar para soltar a voz ... em mar aberto. Só me faltava os peixes pularem para fora da água e gritarem: Cala boca, voz de taquara rachada! Está perturbando o sossego oceânico.
O sol começou a se por... as nuvens, a noite a chegar... e eu ali com todo otimismo esvaindo-se... a esperar. Lembro-me ter pensado: - Se ao menos, pudesse ficar encostada, seria menos cansativo essa espera.
A noite chegou! O silêncio é aterrorizante, sem muita ou nenhuma visão. Minha mente repassava minha vida, meus entes queridos, meus erros e acertos tudo como um programa de retrospectiva do ano velho. Se ao menos ouvisse o pio de uma coruja ou sei lá...
Para tentar manter meu bom senso e minha saúde mental, comecei a rezar. Chamava por todos. Até Netuno entrou em minhas orações... Yemanjá (Não é a rainha do Mar?) então.
As horas passando, eu dançando segundo o movimento das águas, ou seja, nada.
Acho que dei uma cochilada... E lá estava ele, o sol levantando preguiçoso de uma noite bem dormida... Safado, e eu aqui, molhada, de pé. Senti lágrimas escorrendo, pois, na luz do dia tudo parece mais ameno. Meu otimismo voltou e pensei:- Logo mais estarão aqui... vou faze-los engolir minha câmera e todo o equipamento. Desculpe Senhor, me tira dessa, que nem reclamar com eles eu vou.
Acho que ao dizer senhor, não pensei no senhor certo! Avistei bem lá longe, algo se mexendo na água. Pelo terror que senti no momento... pelo sangue gelando nas veias e minhas pernas querendo correr, sem condições de se mover... pensei em quem jamais gostaria de pensar... as lágrimas agora eram de um medo profundo... corpo e mente registraram juntos , o perigo.
A partir daí, tudo corria em câmara lenta, pelo menos para mim.
Aquela temível nadadeira, vindo lentamente em minha direção... como que a saborear o terror que sentia bailando na água... lembro-me nesse momento de conversar com meus amigos espirituais, pedindo que me preparassem e me dessem as mãos, pois, o fim chegara.
A nadadeira estava agora bem visível. Engraçado, quando estamos diante do inevitável , sentimos uma calma, uma tranquilidade, um torpor.... De repente uma voz em mim:- ei, acorda, desde quando você deixou de lutar pela sua vida? Lembra-se daquele touro que fugiu?
E o cavalo que disparou? Daquele homem que te agarrou, tentando um estupro... Você deixou?... .então reaja.
-Conta isso pra ele que vem vindo ai... quero ver se ele corre. Reagi.
Fiquei dura como um pedaço de pau! Ele chegou... rodeou... rodeou e eu já morta... tentei conversar . Dialoguei , mostrei a ele as desvantagens em me saborear. Tudo não passava de um monólogo... pois, ele definitivamente não estava pra papo nenhum.
Ele circulava a minha volta manhosamente. Lentamente peguei minha câmera... e com ele em foco disparei. Ele estremeceu e se sacudiu... estremeci junto.
Consegui pensar que estava fazendo parte de um filme americano... sabe aqueles que o mocinho diante do perigo fica fazendo graça e soltando aquelas pérolas...se achando...pois é.
Tentei novamente um papo, agora falando da foto e sem pensar, coloquei minha mão em sua barbatana... cheguei a insinuar que ele poderia me dar uma carona ... percebendo minha imbecilidade voltei a me endurecer... ele sacudiu a cauda...e rodeava. Parecia sorrir...
Dialogando ainda com meus amigos espirituais, tentava colocar o tubarão na conversa... pedindo que eles o aconselhassem a não cometer nenhum desatino.
Ele circulou algumas vezes, balançou sua cauda com força, levantou a cabeça com sua bocarra aberta, olhou fixo pra mim.... eu me lembro de ter dito: Valha me Deus Nosso Senhor.... e desmaiei...
Ouvia vozes ao longe... tudo tão estranho... ouvi meu nome... Ah! essa voz eu conheço... vem chegando cada vez mais perto... gritei.
Estava no leito de um hospital, com um amigo e o médico, falando ao mesmo tempo e tão alegres.
Soube por eles, que fui resgatada por surfistas, e que boiava com minha câmera na mão... , não muito distante da praia, perto do hotel de onde saí. Não haviam ferimentos...
Ao sair do hospital, diziam que fui vítima de alucinações, próprias de quem perde se no mar.
Quando mandei revelar minhas fotos, lá estava nosso tubarão, numa bela pose mostrando seus dentes como que sorrindo.
Acreditem se quiser.... Mas aconteceu.