-Inspirado em uma história real-
 
     A noite estava fria, e dona Elenita se preparava para deitar-se sobre sua cama, e se aconchegar debaixo dos lençóis quando de repente, ouviu alguém entrar em sua casa lá no andar de baixo. Ouviu primeiro os passos ocos e depois a maçaneta enferrujada girar. Seu marido havia viajado para São Paulo na noite anterior, uma sexta feira. Iria a negócios. Era segurança de uma cantora de músicas infantis e a turnê iria começar por São Paulo.
     Elenita já estava costumada com as viagens do marido. Várias vezes ele viajava com as turnês dos artistas que ele fazia a segurança. Eram casados há oitos anos, e há dois, quando ele começou na nova empresa de seguranças, começaram as viagens. No inicio era difícil dormir sem Oswaldo ao seu lado, além do mais não tinham filhos. Tinha medo dos barulhos que a noite trazia. Barulhos que faziam sua imaginação viajar. criada com uma educação do interior, cresceu acreditando em histórias de assombrações e mitos brasileiros, como curupira, sacis e lobisomens.
     Com preguiça e medo, ela se levantou envolvida em um lençol e desceu as escadas devagar. Foi esticando o pescoço a fim de ver a pessoa que entrava na sua residência uma hora daquelas. De dentro de sua bolsa, presa a escada, retirou seu celular e digitou 190. Qualquer emergência iria apertar a tecla SEND e a ligação iria direto para a policia. Se esticando ao máximo, pode ver uma silhueta grande parada a porta. Parecia ser um homem. Quem quer que fosse, parecia estatelado ali, em frente a porta, olhando para o teto como se tudo fosse novidade ali. Num ato de coragem, Elenita acendeu as luzes.
     -Oswaldo? – perguntou descendo as escadas imediatamente e quase tropeçando no lençol.
     Abraçou o marido. E por fim, acendeu a luz da sala. Oswaldo estava diferente. Estava todo de branco e parecia sereno. Sentiu um leve cheiro de álcool, mas preferiu não tocar no assunto.
     -Meu amor, você não era para estar em São Paulo?
     Ele a abraçou e feito isso, a olhou diretamente nos olhos como se pudesse ver através deles.
     -Eli, eu vou embora!- disse ele friamente.
     -Como assim? Pra São Paulo? Você ainda não foi?
     -Não, amor. Eu estou indo embora de vez! Não venha atrás de mim. Eu vou ficar bem, e você também!
     -Como assim? Para de falar besteira Oswaldo! Que história é essa? Andou bebendo de novo né? O médico disse para você maneirar na cachaça por causa da pressão alta, homem!
     -Querida, preciso ir. Não vá atrás de mim. Deixe-me partir. Estarei bem! Só vim me despedir!
     Quando Elenita foi tentar abraçá-lo, ele apenas olhou-a com um olhar piedoso. Aquilo a fez soltá-lo de imediato. Levou as mãos aos lábios a fim de segurar seu nervosismo e o choro. Suas lágrimas começaram a escorrer pelas maçãs de seu rosto redondo e pingavam sobre o lençol. Não entendia a atitude do marido. Queria procurá-lo, mas ele parecia não querer vê-la. Cansada de tanto chorar, ela adormeceu sobre o sofá da sala.
     No dia seguinte, Elenita foi acordada pelo barulho da porta. Alguém parecia com pressa, a batia contra as vidraças com batidas ininterruptas. Levantou, porém antes se olhou no espelho do quadro que havia pendurado dias antes próximo a escada. Ao abrir a porta deu de cara com dois policiais militares.
     -Dona Elenita?
     -Eu mesma, pois não!
     -Precisamos conversar sobre seu marido. – disse um deles, que parecia ter péssimas noticias.
     Após pedir licença para se arrumar adequadamente, Elenita voltou para a sala aonde os dois homens a esperavam enquanto bebiam o café que ela os havia servido.
     -Você disse que queria falar sobre meu marido?
     -Isso. E temo que sejam más notícias.
     -Policial, ontem ele esteve aqui umas dez da noite, acho que estava muito bêbado...
     Os dois Pms se entreolharam.
     -Disse que precisava ir e foi embora. Deve ter ido para São Paulo. Viajou na sexta e ontem já estava aqui. Deve ter arranjado uma mulher em São Paulo.
     -Na verdade, acho que seu marido não pode ter feito isso, dona Elenita. – disse o outro policial calado até então.seu nome era Moraes.
     -Como assim? – perguntou Elenita sentando-se no sofá.
     -Seu marido não foi para São Paulo na sexta-feira. Ele estava aqui no Rio.
     -Canalha...
     -Ele estava com uma moça chamada Isadora Gonçalves... A senhora conhece?
     -Não. Não conheço nenhuma Isadora.
     -Pois ao que se acredita, seu marido tinha um caso com ela. Ele não viajou na sexta, ele foi para a casa dessa mulher.
     -Então ele veio aqui terminar comigo? É isso? Veio terminar um casamento de 8 anos, porque conheceu uma mulher?
     Moraes chegou para a beira da poltrona.
     -Ao que checamos, eles dois se encontravam a pelo menos dois anos. Ela era faxineira da empresa aonde seu marido trabalhou. Ele era segurança?
     -Isso. Ele é segurança.
     -Na verdade, ele não exerce essa função há um ano. Nos últimos meses, ele e essa Isadora estavam envolvidos com tráfico de drogas. Estavam viajando para vender drogas para empresários paulistas.
     Elenita sentiu sua garganta e seu peito se contraírem.
     -Não acredito...
     -Temos fotos e filmes. E temos uma péssima noticia, e pedimos para que a senhora seja forte... Seu marido foi encontrado morto assassinado. Parece que a dona Isadora era casada com Wellington Farias, o Dota da Mangueira. – disse o outro policial passando a fala para Moraes.
     -Um dos primeiros traficantes do morro da Mangueira.
     Chorar era a única coisa que ela conseguia fazer. Queria perguntar mais,porém as palavras não saíam.
     -Eu estive com ele ontem. Parecia que ele estava adivinhando. Senti que aquela seria a última vez que o veria. Meu Deus, porque ele se envolveu com isso? Éramos tão felizes, policial!
     -Há um conflito de informações e peço que a senhora nos esclareça uma coisa.
     -O que?
     -A que horas a senhora disse que recebeu a visita de seu marido?
     -Umas dez da noite, dez e meia, por aí... Por quê? Algum problema?
     Moraes pigarreou pois o que ia falar, iria deixar Elenita confusa.
     -O que é mais estranho Dona Elenita, é que exatamente a essa hora, segundo a dona Isadora, que conseguiu fugir do marido, Dez da noite foi exatamente a hora em que seu marido foi assassinado após ser pego pelo Dota...
     Elenita sentiu-se fraca. Lembrou-se dos dias anteriores com Oswaldo. Lembrou-se de seu casamento. Por fim, lembrou-se da noite anterior. De como seu marido parecia apressado e de suas palavras. Queria que ela o deixasse partir. Não queria que ela o seguisse. Tudo fazia sentido. Tudo parecia estranho, contudo não impossível.
     A mentira que sua vida era, Elenita descobriu da pior maneira. Porém, antes de morrer, parece que seu marido havia se arrependido, e fora justamente se despedir da mulher que sempre lhe prestou assistência. Da mulher que sempre estava ali quando ele precisava. Não sentia raiva dele. Sentia pena, muita pena. Fora a única que aparecera no velório. Fora a única que jogou flores sobre o caixão enterrado na cova de sua família.
     Pelo menos uma coisa não era mentira. Oswaldo disse que ela ficaria bem, assim como ele. E isso ele iria proporcionar “pessoalmente”. Pois sempre que ela sentisse um arrepio, um frio, ou alguma sensação de paz, era Oswaldo ali ao seu lado, mesmo que em espírito, tentando consertar as coisas tarde demais.


                                                   FIM

                         
Comentem esse texto!Deixe sua crítica!
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 17/06/2010
Reeditado em 17/05/2011
Código do texto: T2324291
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.