A máquina de criar mundos
É aqui que eu encontro o meu sossego. É diante dela que vou de encontro a um mundo só meu, onde todos são felizes, onde as pessoas não são egoístas, prepotentes, invejosas, onde não há crimes, onde não há estupros nem simples furtos.
É nela que eu me espelho e é para ela que eu vivo. Não há cocaína, heroína, ecstasy, mas, também não há telefone, não há internet, onde todas as pessoas são fieis, leais, fraternas e marcham rumo a paz.
O melhor lugar do mundo, as melhores pessoas do mundo, a melhor educação, saúde, as melhores comidas, onde todos são santos, são virgens e não têm nenhum pensamento promíscuo.
Nunca vi ninguém derrubar uma lágrima porque não há morte, tampouco existe vida. Não se nasce. Não se cresce. Não se reproduz e não se envelhece.
Todos andam com um sorriso sincero no rosto, com carros chiques, mas, não há carros nesse lugar. As pessoas andam à pé, acenando umas para as outras, se abraçam, se beijam, se amam. Homens, mulheres, jovens, idosos e crianças. Homens beijam homens, mulheres beijam mulheres e ninguém os olha com censura, afinal de contas todos estão nus diante dos meus olhos.
Tudo isso é culpa dela, porque foi ela quem criou esse mundo. Eu a ajudei, mas, ela simplesmente tem vida própria e vai tecendo um mundo a cada linha. Mas, esse mundo era confuso demais, com pessoas demais e feliz demais, vamos recomeçar.
Novamente ela entra em ação e começa a tecer outro universo, cujo céu é cinzento, as pessoas são rudes, ignorantes, frias, calculistas e vêem-se crimes por todos os lados. Gritos desesperados e ao longe o choro de alguma criança e mais gente deixando seus apartamentos em caixões bem lustrados com viúvas e viúvos desesperados, clamando por piedade. Mas, esse novo mundo não é piedoso. Não existe amor, fraternidade, harmonia ou paz, existe somente o individuo e seu egoísmo.
Ela era muito poderosa, afinal. Eu não conseguia controla-la e cada vez que me punha diante dela, tentava convencê-la a mudar essas pessoas, suas histórias e suas personalidades, mas, me vinha ela novamente cheia de idéias e algumas realmente confusas me fizeram enlouquecer. Pensava em largá-la, queria separar-me dela. Busquei ajuda, tentei o divórcio e quando consegui, simplesmente não tive coragem de deixá-la. Ela era a minha vida, era com ela que eu compartilhava os meus segredos, era ela que mandava e desmandava em minha vida.
Ela me fez curar o alcoolismo, ela me deixou quieto em casa, ela me fez ficar recluso porque eu simplesmente não tinha motivo para saber notícias do mundo. Eu tinha o nosso mundo e poderia moldá-lo da forma que achasse necessário. Eu o fiz milhões de vezes e o acúmulo daquela gente na minha casa começou a me enlouquecer. Minha vida começou a ficar lotada, minha casa já não cabia de tantas pessoas e aquelas vozes na minha cabeça me faziam dormir com uma dor de cabeça insuportável.
Foi então que eu cometi uma loucura. Peguei uma marreta na minha caixa de ferramentas e durante uma madrugada de setembro usei de toda força que eu tinha e dei duas, três, quatro marretadas sobre ela.
Ficou desfigurada, havia quase que partido-a ao meio. Larguei a marreta no chão e me desesperei, aquele líquido escuro escorria pelo tapete da minha sala e eu pude ver as luzes dos vizinhos se acenderem, uma senhora estava com o telefone em mãos e pouco depois pude ouvir a sirene do carro de polícia no início da avenida.
Três batidas na porta e um arrombamento. Levantei as minhas mãos, dei-me por vencido e comecei a chorar. O policial me vestiu com a roupa da cadeia, eu comecei a gritar o nome da minha amada enquanto era levado por aqueles homens, ele a recolheu e enrolou o tapete manchado. Tampou-a com um saco preto e levou-a para fora da minha casa.
A movimentação era grande, afinal de contas eu havia perdido o meu bem mais precioso, havia perdido o motivo da minha fama. Via os flashs dos repórteres e toda aquela gente se perguntando o motivo pelo qual eu havia feito aquilo. Eu disse que ela estava me enlouquecendo, que era inútil, mas, era tudo mentira. Eu só queria parar de escrever.