O PREDADOR PERFEITO
Nota: O conto também foi publicado no blog FC vs. Realidade e pode ser visualizado através do link: http://realidadefc.wordpress.com/2010/06/07/o-predador-perfeito/
As nuvens negras encobriam a lua e as estrelas, ofuscando a luz do céu. Apesar do horário, a movimentação na rua continuava. O barulho do motor dos carros ecoava na vizinhança, mesclando-se com o som dos últimos ônibus que ainda circulavam. Transeuntes, ocupados com suas preocupações mesquinhas e sem valor, seguia seu caminho sem sequer notar aqueles ao seu redor. Mas nem todos agiam desta forma.
Escondido no telhado de um estabelecimento comercial, ele observava a todos com seus olhos amarelados. Ninguém lhe passava despercebido, nem mesmo aqueles que habitavam as calçadas, protegendo-se do frio com roupas velhas e cobertores de papelão. Saliva escorria de seus dentes afiados enquanto pensava em sua próxima vítima. Estava faminto. Precisava se alimentar.
Sabia que era necessário cuidado. Não deveria vacilar. Encontrava-se em um ambiente moderno rodeado de perigos para criaturas como ele. A noite o definia, o acolhia. O frio não o incomodava. A altura lhe agradava. Agilidade fazia parte de sua natureza. Era o predador perfeito e como sempre, estava pronto para caçar.
Não o fazia somente por ser uma necessidade vital. Os gritos de terror eram como uma melódica sinfonia para seus ouvidos. Gostava de sentir suas garras restringindo os movimentos da vítima, e da sensação de poder que vinha de subjugá-la. Ansiava por experimentar o doce néctar da primeira mordida, onde o sangue, ainda quente, parecia derreter em sua boca.
Suas ações normalmente passavam despercebidas por aqueles que circulavam a vizinhança. Preferiam se trancar em suas casas, ignorando os gritos de dor das vítimas. Sabiam bem o que ocorria, entretanto, confortados pelo pensamento de que nunca passariam por aquela situação, eles a deixavam acontecer, noite após noite. Não estavam interessados em mais problemas.
Mesmo assim, era bom no que fazia. Com seus sentidos aguçados, era capaz de ouvi-los e avistá-los antes mesmo de se aproximarem. Saía do local do ataque, deixando somente os rastros de sangue da vítima que levava consigo, para se alimentar. Através de sua velocidade, sumia na noite, despistando aqueles que ousavam persegui-lo.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo doce odor de uma presa. Com um gesto brusco de sua cabeça, focou seu olhar naquele que atraíra sua atenção. Observou a figura que se apressava para alcançar seu destino. Era alta e grande, diferente da maioria que normalmente caçava. Uma barriga protuberante indicava sua alimentação farta. Os olhos possuíam uma gana invejável pela vida e o pescoço alongado, exibia-se para o mundo.
Enquanto andava na calçada, parecia despreocupado com tudo que o rodeava. Murmurava para si mesmo algo parecido com uma canção. Mal sabia que o observavam, considerando matá-lo para saciar suas necessidades. Como a maioria, acreditava que aquilo não passava de mais uma noite, onde seguiria com sua rotina. Ah, doce ilusão!
Pacientemente, observou o individuo direcionando-se para uma rua estreita, mais deserta do que a avenida principal onde se encontrava no momento. Enquanto o fazia, preparou-se para o ataque. Inclinou seu torso para frente, pronto para saltar do prédio e surpreendê-lo. Sorriu ao vê-lo caminhando para sua própria morte. Só mais alguns segundos...
Com agilidade, saltou do telhado, aterrissando alguns passos a frente de sua vítima. Com os olhos arregalados em surpresa, a presa o fitou e então entendeu. O primeiro grito de terror ecoou no ar, fazendo-o tremer em êxtase. Apesar do peso extra que carregava em seu corpo, ele correu, tentando arrumar abrigo em lugares onde não seria capaz de alcançá-lo. Antes que pudesse esconder-se, o predador o atingiu com sua pata dianteira, fincando suas garras afiadas nas costas daquele que ousava resistir.
Ainda sim, a vítima continuou a correr, irritando-o ainda mais. Sibilando, mostrou que não estava brincando. Avançou com um ágil pulo em direção a vítima, procurando prendê-lo com ambas as patas. Um novo chiado de dor escapou do jantar, quando foi pego por seu predador. Com seus dentes afiados, aproximou-se daquele pescoço alongado e o mordeu, quebrando-o com um simples movimento. Lambeu os beiços para saborear ao máximo as primeiras gotas de sangue e então, ronronou em comemoração.
O felino de rua pegou o roedor por seu rabo e correndo, sumiu na noite a procura de um confortável esconderijo para apreciar sua refeição.