O estofador

Ela acordou com fome e sede. Não conseguia mexer as mãos, seu corpo ainda estava dormente. Começou a tentar imaginar que lugar era aquele e por que sentia uma dor lacerante na orelha esquerda.

Descobriu uns cinco minutos depois, quando o sangue recomeçou a correr normalmente, o porquê de não sentir suas mãos antes. Elas estavam amarradas nas suas costas. Junto com essa sensibilidade, começou a sentir uma dor quase insuportável num dos pés. Definitivamente algo não estava bem. Pelo menos o lugar onde estivera deitada – um sofá de couro tão macio quanto seda – era confortável.

Ainda que ela não conseguisse ver muitas coisas naquela escuridão quase total, seus olhos finalmente se acostumaram com a penumbra a seu redor e ela pode, enfim, observar o espaço onde se encontrava. Estava numa espécie de porão. A única iluminação do lugar era das frestas no piso acima. O lugar era perfeito para um cenário de um nojento filme de terror. Havia teias de aranhas para todos os lados, algumas coisas no chão que lembravam ossos quebrados.

Infelizmente, saiu do estado de choque e cometeu o primeiro erro da noite, gritando desesperada:

– Meu Deus, o que eu faço aqui? Socorro! Alguém? Eu estou aqui embaixo...

Um barulho surgiu repentinamente de algum lugar acima de sua cabeça: ela acabara de avisar a seu seqüestrador de que estava viva! Imediatamente arrependeu-se de ter gritado e, ainda que escutasse os passos no teto e se aproximando cada vez mais, a única coisa que conseguia fazer era chorar.

– Vejo que minha bela acordou... Que bom!

Ele desceu as escadas e acendeu a luz do porão. A pobre garota deitada no sofá ficou cega por alguns segundos.

– Por quê choras? Não gosta de luz?

Chegou mais perto dela, sentou na ponta do sofá. Ela se encolheu.

– Por que treme tanto? Está com medo?

Ela tomou coragem para retrucar. Ainda que fosse uma menina amedrontada, sua língua continuava afiada como sempre:

– Por que será, né? Será que algo haver com o fato de estar – o volume de sua voz aumentava a cada palavra proferida – num lugar estranho com um maluco homicida?

Pela segunda vez na noite, se arrependeu do que fez. O seqüestrador a golpeou com tanta força que ela nem conseguiu ver de onde veio a porrada.

– Olha só, ela tem coragem. Vamos ver quanto tempo essa coragem ainda dura.

Ele se levantou. Era obvio que ele já tinha feito aquilo muitas vezes. Calmamente ele andou pelo porão e foi até um estranho aparelho e ajustou umas correntes, como quem nada quer. Depois de alguns segundos em silêncio, falou:

– Espero que você não tente testar minha paciência novamente... Eu vou perguntar apenas uma vez: qual seu nome, linda criança? – Sua voz estava leve, mas seus olhos estavam com um ar grave, como se pudesse se cansar da brincadeira fácil e acabar logo com aquilo.

Ela decidiu não arriscar, embora a resposta que ela gostaria de dar não tivesse nada a haver com a pergunta (Algo que envolvia um lugar escuro e fedorento, e algo sobre a mãe do seu seqüestrador). Ah, o prazer daquela resposta custaria mais alguns dentes, então ela preferiu responder apenas a verdade:

– Deise...

– Deise? – disse ele, pegando algumas facas e outros instrumentos, junto com o que parecia ser uma coisa para esticar lençóis... – Então, Deise... Vamos acabar logo com isso!

Tendo dito isso, e ignorando os gritos da moça, se dirigiu a ela e a pegou nos braços, como uma estranha criança. Quando ela tentou morder ele, sua paciência se esvaiu: jogou ela no chão e socou seu rosto. Depois chutou suas costelas. Ela subitamente apagou.

Quando chegou ao aparelho, prendeu as pernas dela nas correntes de baixo, e soltou as mãos das amarras, prendendo-as, em seguida, nas correntes de cima. O pé dela estava inchado e ferido.Isso, admitia, foi apenas um erro de cálculo: quando ele a raptou, jogou-a de qualquer jeito na mala e fechou a porta com toda a força. Mas tampa não fechou, mesmo com a forte pancada. Tentou mais uma vez e viu que um dos pés estava do lado de fora. Gentilmente, empurrou para dentro e fechou, sem maiores problemas.

Por algum motivo, as pernas dela estavam bem separadas e a arcada do aparelho era levemente curvada, logo ela parecia que estava deitada. Ele rasgou a roupa de Deise, com urgência.

Ela só despertou quando ele tentava abotoar sua calça... Nauseada com o que tinha acontecido, chorou mais uma vez. Desta vez, silenciosamente.

O seqüestrador estava de costas para ela quando ela pediu:

– Por favor, me mate logo...

Ele se virou sorrindo.

– Já? Mas, a diversão começou agora...

Dizendo isto, pegou um objeto que parecia um bisturi, seu sorriso ficou maníaco.

– Estou precisando de uma nova poltrona... Para combinar com o meu sofá novo... Você gostou dele? Bem confortável né? Foram necessários duas negras e um negro para manter o tom e a rigidez necessária.

– Mas eu sou branca...

Ele sorriu.

– Nada que um pouco de verniz não resolva!

E começou a cortar a pele, enquanto ela chorava de dor. Em um dado momento ela não resistiu mais, simplesmente se entregando a dor. Ele já tinha arrancado a pele de suas pernas e seus braços.

****

– Ai, Jorge, eu adorei esse seu conjunto de sofás... Onde você comprou?

Fazia exatamente dois meses que havia terminado mais uma de suas obras primas...

– Eu mesmo que fiz Dalila, quer ver onde ele foi confeccionado? – disse, levantando-se, com um sorriso sinistro no rosto. E num lampejo, ele a atacou.

Foi a última coisa que ela viu.

Laryssa Oliveira
Enviado por Laryssa Oliveira em 25/05/2010
Código do texto: T2278373
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