Dionísia
Ele subiu as escadas de forma cambaleante e incerta. Mais uma vez, acertar cada degrau era como uma loteria estranha... A senhoria do cortiço, pequena e invocada, lhe despejou as palavras gentis e bondosas de sempre:
– Seu bastardo! Quando você vai pagar a conta do cortiço? Já estava bebendo de novo? Você sabe a quantidade de meses que tem pendurado aqui? E ...
Blábláblá... Isso era a única coisa que ele escutava. Não importava mesmo, a diferença seria mínima. A única coisa que importava para ele é que cada batente o deixava mais perto de Dionísia.
Ah... Dionísia. Ela era linda! Deixaria até a mais bela modelo com inveja. Sua pele era branca, seus cabelos vermelhos davam um pouco de cor e ingenuidade que eram quebrados pelos olhos cinzentos. Tristes. Vidrados.
Enfim, chegou a seu quarto. Ao abrir a porta, chutou a barata que tentava se esconder. As baratas, bem como outros insetos já eram como bichinhos de estimação: adoráveis vermezinhos, as fofas baratas, os majestosos ratos.
– Onísia – gritou. Na verdade o quarto era tão pequeno que se apenas sussurrasse ela escutaria, mas o que valia era a entonação: alta, forte, presente. – Cheguei! Desculpe–me, se demorei... Mas é que eu parei num bar com uns amigos para beber um pouco...
Era evidente que ele havia bebido, o cheiro era nauseante. Se não o dele, mas o do quarto.
– Ah, aí está você! Minha linda...
Ela estava deitada na cama, ao lado da janela. A pele branca levemente azulada, reluzindo a luz da lua nas curvas nuas dela.
– Já está a minha espera?
E pulou para cima da cama como um animal no cio. Rapidamente tirou a roupa e sem nenhum pudor a agarrou. Depois de terminado, ele levantou pegou um cigarro e a garrafa de cana e sentou no sofá, enquanto observava sua amada. A lua dava Dionísia um ar etéreo... mórbido.
– Adoro nossas noites... Você fica tão cansada que não consegue abrir a boca, sequer reclama comigo... Durma, durma com os anjos.
Os dias passaram e um dia ele não voltou mais para casa. A princípio, bebeu demais e acabou se metendo com quem não podia. Não sobreviveu.
A senhoria do cortiço ficou estarrecida ao saber que não poderia pegar nada dele como pagamento. Afinal, eram quase dez meses de atraso!
Foram dar a notícia à pobre Dionísia. E dizer que teria de deixar o quarto em vinte e quatro horas, mas primeiro as boas notícias, é claro. Chamaram-na uma, duas vezes. Sem resposta, arrombaram a porta.
O fedor estava insuportável. Encontraram–na deitada na cama, de costas para a porta. Sua pele continuava azulada como sempre. O relatório do legista atestava que impressionantemente ela estava morta há três semanas, o que explicava todos aqueles tapurus e outros animaizinhos que docemente a faziam companhia. Eles pareciam felizes. Não iam mais ser incomodados pelo rude homem. E pelo menos eles, viveram felizes para sempre.