Insólito Encontro
Naquele tempo, ela se desdobrava para concluir a Faculdade de Pedagogia, seu sonho era poder lecionar na escola onde aprendera as primeiras letras. Gostava de criança e sentia-se vocacionada à área do ensino. Para alcançar sua meta, dava um duro danado. Além da mensalidade, que consumia uma boa parte do seu salário, tinha que ajudar nas despesas da casa, o que praticamente zerava os seus ganhos. A rotina era pesada: levantava bem cedo, trabalhava o dia inteiro como auxiliar de escritório em uma pequena metalúrgica, e no final da tarde ia direto para a faculdade. Usava esse intervalo entre o trabalho e as aulas para fazer um breve lanche e estudar um pouco. Naturalmente, chegava em casa sempre cansada, mas renovava as forças quando encontrava a mãe, carinhosamente, tarde da noite, esquentando a comida no fogão para que ela pudesse fazer a única refeição decente do dia.
Todos os dias eram assim: iguais, sem novidades. Mas numa noite chuvosa de sexta-feira, depois de sair da faculdade, quando desceu do ônibus e começou a caminhar em direção a sua casa, foi tomada de uma sensação estranha. O trajeto que percorria a pé não chegava a mil metros, normalmente levava aproximadamente dez minutos para percorrê-lo. Com a chuva, o caminho estava mais deserto do que de costume. Nunca sentira medo antes, mas sem saber explicar para si mesma, sentia-se insegura dentro de uma atmosfera que não conhecia. Procurou apressar o passo tomando cuidado para não escorregar na calçada molhada. A chuva era fina, mas insistente. Na caminhada, teve a impressão de que estava sendo seguida, chegou a olhar algumas vezes para trás, mas acabou rindo daquilo que lhe pareceu ser uma tolice.
Quando entrou na rua da sua casa, viu de longe o vulto de uma pessoa na esquina. Um arrepio gelado correu pela espinha. Pensou em voltar, mas não tendo alternativa para chegar em casa, buscou dentro de si a coragem necessária e seguiu em frente. Foi de encontro àquela figura estática, protegida por um guarda-chuva, debaixo da luz amarelada do poste. Quando se aproximou, sentiu-se aliviada ao ver que era a Teresa, sua vizinha. Instantaneamente, o medo cedeu lugar à indignação. Teresa era casada com o Anísio, um boa-vida que além de gastar o que a mulher ganhava fazendo faxina, depois das bebedeiras, invariavelmente, batia nela e nas crianças. Quando isso acontecia, Teresa saía de casa e ia para rua esperando que o marido adormecesse. Com certeza, essa era uma daquelas noites de covardia do marido.
– “E, aí Teresa, tudo bem?” – perguntou, puxando conversa, quando chegou debaixo do poste de luz.
– “Vai se levando, Soninha, do jeito que Deus quer” – respondeu a vizinha com um olhar fixo e triste.
Irritada com a passividade da mulher, ela dispara inconformada com a injustiça.
– “Temos que dar um jeito nesse homem, Teresa. Até quando você vai agüentar? Não dá pra ficar assim, não!”
– “Um dia isso acaba, minha filha” – falou a vizinha, resignada, virando as costas e saindo em direção a casa onde morava.
Ela sem entender como alguém pode permanecer numa situação como aquela sem tomar atitude, a poucos passos de sua casa, seguiu em frente. Ao entrar na sala, sentiu o cheiro da comida que a mãe esquentava. Foi ao banheiro e voltou rapidamente com uma fome daquelas. Enquanto comia, a mãe olhava para ela com ternura. Depois de algumas garfadas, ela puxou conversa.
– “Mãe, aquele Anísio é um grande canalha mesmo. Coitada da Teresa, deve ter apanhado de novo. Encontrei ela ali na esquina debaixo de chuva, com aquele olhar que é só tristeza”.
– “Encontrou quem, minha filha?” – a mãe perguntou apavorada.
– “A Teresa do Anísio”.
– “Não pode ser, Soninha. A Teresa morreu hoje na hora do almoço”.
O corpo da moça se arrepiou todo; o garfo caiu da sua mão esparramando comida. Incrédula, olhou para a mãe que não sabia o que dizer...