Tempo de Escuridão

Lá fora existe uma espécie de névoa cobrindo a casa das pessoas. Os vidros dos carros estão todos cobertos, o sol não é visto senão por alguns instantes. As batidas dos corações dos cães de ruas suportam certa ansiedade, mas não toda.

Dias sombrios, que fazem os dentes ranger, nessa época almas muito distantes do nosso conhecimento limitado aparecem para nos assombrar. Na verdade, seu propósito é outro, querem comunicar-nos alguma coisa. Ainda não sei o que é. Mas irei descobrir.

Aos poucos, a névoa dá lugar a um novo céu, agora limpo e azulado. Os cães que havia na cidade apareceram mortos. Parece estranho, estão todos mortos. Alguma coisa de grave deve ter ocorrido, mas ainda não sabemos direito do que se trata.

Uma vez, quando era pequeno, lembro de minha avó contar-me algo parecido, sobre esse tempo de escuridão, como costumava chamar. Diz a lenda, que nas manhas frias de inverno, na cidade de Darkween, podia-se sentir um arrepio na espinha, o que nos faz pensar na hipótese mais óbvia: espíritos.

Observei na calçada duas meninas brincando ao lado dos cadáveres dos animais atirados no chão da pequena Rua 23. Chamei-lhe seus pais e pedi que as fizesse entrar, já que o cenário não era dos melhores.

O mais interessante acontecera na casa do senhor Johnson, sua macieira que na noite anterior estava cheia de maças, agora restava apenas os galhos secos. Como se alguém ou alguma coisa tivesse passado por ali e levado embora todas as frutas.

Mais adiante, notei que o carro da D. Mary estava arranhado e com os pneus esvaziados. Bati na porta de sua residência para saber se ela estava bem. Ao atender-me, ainda na porta, disse que seus gatinhos tinham desaparecidos. Nesse momento, num reflexo psicológico, na minha mente uma idéia estranha começou a fazer sentido. Fui até o cemitério da cidade, quando lá cheguei, não encontrando o senhor Morgan que cuidava do ambiente além-túmulo, dei mais um passo a frente, quando vi que as fotografias dos jazigos estavam queimadas, as terras remexidas e os vidros quebrados.

Para estudar o caso, recorri à biblioteca de Darkween, lendo os livros mais antigos sobre a história da cidade, encontrei num deles, um caso semelhante, que ocorrera em 1877. No dia 13 de agosto de 1876 nossa cidade sofreu com um terrível incêndio que matou 666 moradores. Desde então no ano seguinte, coisas estranhas começaram a ocorrer, de tempos em tempos, a cidade era tomada por uma força sobrenatural, tal energia podia ser sentida por toda Rua 23.

Hoje são 13 de maio de 1944, duas horas da manhã, estou escrevendo esse relatório para que seja lido pelos investigadores. O frio congela meus dedos. Sinto dificuldade para movimentar as pernas. Vou colocar lenha na lareira e ascende-la.

Acho que eles querem nos dizer que não tínhamos o direito de esquecê-los.

Sentado na minha cadeira, vejo a porta da frente da casa ser aberta, é minha filha que chegara de viagem, passou por mim e não falou nada, subiu e foi direto para o quarto. Parecia abatida. Fui até seu aposento, a porta estava entre aberta, reparei que ela segurava um retrato nas mãos e chorava. Ela adormeceu. Entrei no quarto, sentei-me ao lado, e fiz carinho em seu rosto. Ela se virou soltando das mãos o retrato, para minha surpresa, era um retrato nosso, que havíamos tirado antes dela viajar. Enquanto dormia Anne murmurou baixinho: “Saudades de você, papai!”.

David dos Santos
Enviado por David dos Santos em 30/04/2010
Código do texto: T2229612
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