ENFADO

Seu reflexo no espelho o questionava. Havia um estranho ali, alguém que nunca esperava encontrar em si. Jamais notara os olhos vazios , as marcas de expressão profundas, os cabelos grisalhos. Porque nunca teve tempo.

Em sete anos ele nunca lembrou de um aniversário de casamento, jamais planejou uma festa de aniversário para a filha, nunca esteve nos campeonatos de futebol em que o filho jogava,porque não tinha tempo.Papai precisava trabalhar para que pudessem manter a casa imensa com seus empregados, a escola mais cara da cidade, o guarda-roupa de grife da mamãe, a mercedes-benz, o veleiro com o qual a filha navegava todo final de semana.

Tinha tudo o que a maioria das pessoas gostaria de ter pelo preço de seu tempo.Então sua esposa arrumou tempo com outro, sua filha com algum degenerado e o filho...bom o filho desistiu de esperar pelo pai e acabou com o tempo de sua vida.

Então ele tentou conversar com o dono do seu relógio.Aquele que lhe abria todas as portas em troca de todos os seus segundos. Preciso de mais tempo para minha família, ou o que resta dela.Preciso de mais tempo para meus pais, para os amigos, para mim. Posso conhecer os mais maravilhosos lugares do mundo, posso assistir os mais incríveis espetáculos, desfrutar das festas mais divrtidas, mas não tenho tempo.

Sabe o que lhe disseram? Que procurasse o que fazer.Que se desse por satisfeito por tudo o que já tinha.Não seria nada se não dedicasse totalmente sua vida ao trabalho.Muitos dariam qualquer coisa para chegar onde chegou.

Seu nome não importava mais.O que é um nome para alguém que não vive, cujo tempo morreu?Não seria mais escravo de uma instituição, nem permaneceria de luto.

O presidente da empresa, o algoz de cada instante de sua vida,jazia no escritorio. As mãos vermelhas de sangue atestavam o crime.

Ele aguardava no banheiro.Em instantes a polícia o encontraria.Confessaria seu pecado.Declararia para a imprensa, exporia seu rosto ao mundo, gritaria para a humanidade que não se importava,pois tudo já lhe fora tirado. Depois iria para uma cela, olharia para as paredes e abraçaria as cinzas do tempo.

Renan Moraes
Enviado por Renan Moraes em 22/04/2010
Reeditado em 28/04/2010
Código do texto: T2212222
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