O filho do mal
A noite chegava sorrateiramente, trazendo consigo uma chuva fina, porém muito fria.
Luize andava apressada, olhando seguidamente para trás, a fim de ver se estava sendo seguida. Não podia permitir que ninguém a seguisse. Não se importava com a chuva que deixava encharcada seu longo casaco bege, nem com seus longos cabelos castanho claro despenteados pelo vento. Precisava correr. Precisava chegar a um local seguro.
O fôlego já lhe faltava, precisava parar pelo menos por uns poucos minutos, senão não chegaria a lugar nenhum. Avistou uma pequena pracinha, estava vazia graças à chuva. Procurou por um lugar seguro em que pudesse se sentar sem ser vista. Ficou ali sentada, sobre um pequeno banco de pedra em meio as árvores. Olhou no relógio: eram 20:10 hs. Precisava se apressar.
Saiu da pracinha disfarçadamente. Puxou o capuz de seu casaco, escondendo assim seu cabelo e seu rosto tão marcante. Não precisava mais correr, acreditava que ele estava longe e não a encontraria. Enfiou as mãos frias dentro do bolso molhado do casaco e seguiu seu caminho, com passos firmes e rápidos.
De repente Luize ouve seu nome, bem baixo. Ela pára, assustada. Sacode a cabeça, e volta a andar. Deve ser coisa da sua imaginação, ela pensa.
Alguns poucos metros à frente de novo:
- Luize!
Agora ela não pôde tentar se enganar. Ouvira realmente seu nome, e a voz... era a voz dele! Não, não pode ser. Ela tira as mãos do bolso, tira o capuz da cabeça e vira-se para fitar aquele homem de novo.
Rodolpho vestia-se com um sobretudo de couro muito bem alinhado e suas botas pretas brilhavam à luz amarelada do poste. Seus cabelos compridos até o ombro, muito negros, estavam despenteados pelo mesmo motivo que os de Luize. Porém seu rosto transparecia satisfação, o contrário do rosto da pobre moça, que exibia um olhar de medo, parecendo um bicho acuado.
- O que quer de mim? Me deixe em paz, não tem mais nada para conversarmos. – A voz de Luize saía trêmula.
- Quero você, Luize. Nada mais. Não vou te fazer nenhum mal, apenas deve seguir comigo. Nunca escondi de você quem eu sou. Você sempre soube que não poderia se afastar de mim. – Rodolpho falava isso com um leve sorriso nos lábios.
- Eu não vou contar pra ninguém, prometo. Por favor, Rodolpho, me deixe ir, me deixe seguir minha vida bem longe daqui.
- Não posso Luize. Você agora é parte de mim. A partir do momento em que entrou em minha vida e principalmente quando engravidou de um filho meu.
- Rodolpho por favor... – Luize agora tinha lágrima nos olhos e beirava o desespero.
- Desde o momento em que decidiu ficar comigo sabia que era para a vida inteira. Agora não adianta chorar. Tem que cumprir seu destino.
Luize não queria e não podia mais ficar perto de Rodolpho. Ele fazia mal às pessoas. Roubava, matava. Ela não agüentava mais viver com um homem vil e inescrupuloso como ele. Vivera com ele os piores anos de sua vida. Tinha apenas 27 anos e já fora espancada, humilhada, abandonada, inúmeras vezes. Queria vida nova, queria se libertar desse ser repulsivo que a perseguia. Sabia que agora, mais que nunca, estava ligada a ele. E justamente por esse motivo queria se afastar. Precisava criar o filho que trazia em seu ventre longe desse ser asqueroso que era o pai dele.
Mesmo sem querer, ela caiu de joelhos diante dele, chorando, pedindo para que a deixasse ir, que a deixasse viver em paz e sozinha com seu filho.
- Vamos, Luize, levante. Temos que ir pra casa. – ele mal terminou a frase e já a arrastou pelo braço. Seguiram o caminho até sua casa fétida em silêncio.
Ao chegar em casa Rodolpho disse:
- Você vai ficar sempre ligada a mim. Esse filho que carrega em seu ventre é como eu, tem meu sangue noturno em suas veias. Preciso de você, preciso desse filho para seguir meus negócios, e principalmente para continuar minha espécie.
- Não, Rodolpho, ele terá também o meu sangue! Será apenas meio vampiro, e com muito amor, muito carinho ele não será como você. Não será! – Luize nem tentava mais conter seu desespero, ela sabia que não havia nada que pudesse dizer para ele deixá-la ir.
Durante todo o resto da noite Rodolpho ficou fora de casa, retornando só de manhã para dormir, já que a luz do sol era como um veneno para ele.
Luize continuava em casa, trancada, desesperada, ansiando pela liberdade. A sua liberdade e a liberdade do filho que gerava dentro de si.
Por volta das três horas da tarde ela teve uma idéia: sairia agora, a tarde, enquanto ele dormia. Passaria em uma loja qualquer, compraria uma peruca e alugaria um carro. Quando ele acordasse ela já estaria longe.
Dentro de meia hora ela já estava pronta. Não levaria bagagem nenhuma, apenas sua bolsa e uma sacola com duas mudas de roupas que já havia comprado para o bebê. Seguiu para a porta dos fundos, não sem antes parar para conferir se ele ainda dormia. Olhou em volta de si, respirou fundo e seguiu rumo a liberdade.
Caminhou ate uma loja de fantasias, comprou uma peruca loura e um óculos escuros. Em seguida foi a uma locadora de carros e alugou um bem barato. Não se importava com luxo, queria apenas um carro que andasse, já era o bastante.
Menos de vinte minutos depois de sair de casa já estava na estrada, sorrindo de felicidade e cantarolando uma musica que tocava no rádio mal sintonizado do carro.
A noite começa a cair, e o nervosismo de Luize aumenta. A noite não haveria nada que pudesse deter Rodolpho. Olhou no painel do carro e viu que havia percorrido trezentos quilômetros. Mais quinhentos e ela chegaria a casa de sua tia Lúcia. Já podia parar para descansar, tomar um banho e quem sabe até dormir. Passou o dia com fortes enjôos, já que estava nos primeiros meses de gravidez, e precisava urgente de um chá quente e uma cama macia.
Alguns quilômetros a frente ela viu um hotel. Estacionou o carro, preencheu a ficha com nome falso e seguiu para seu quarto. Livrou-se da peruca e tomou um demorado banho quente. Em seguida caiu na cama, adormecendo logo em seguida, pois estava exausta.
Rodolpho fica desesperado ao ver que Luize fugiu de novo. Precisava agir rápido.
Saiu porta a fora, sem rumo, a procura dela. Depois de muito pensar ele chega a conclusão de que ela deve Ter pego um taxi, ou alugado um carro, já que não possuíam nenhum. Os lugares prováveis que ela iria seria casa de algum parente. Mas quem? Tia Iara ou tia Lúcia... Eram as que moravam mais longe.
Apurou seus sentidos, e pôde sentir o rumo que Luize tomou com seu filho. Desde que ela engravidou havia se tornado muito mais fácil localizá-la. Podia localizar outro ser como ele a milhares de quilômetros de distância. Agora, seus sentidos diziam que estavam em um hotel de beira de estrada, rumo a casa de tia Lúcia. E era pra lá que ele iria.
Luize acorda com uma forte batida na porta. Olha rapidamente para o relógio e vê que são uma e quinze da manhã. Levanta-se, meio sonolenta, e vai abrir a porta. O susto a fez pisar na ponta do roupão e cair sentada no chão. Ela não podia acreditar no que via. Era ele. Era Rodolpho.
Rodolpho adentra o quarto, a levanta pelo braço e grita:
- Vista-se, vamos pra casa. E a partir de hoje ficará trancada! Como é boba, meu amor. Não sabe que eu acharei onde quer que for, por causa do nosso filho? Oh Luize, você nunca aprende...
Ele cata todas as coisas que ela trouxe e seguem para o carro. Estão voltando para casa.
Luize chora o caminho inteiro, não agüenta mais essa vida. Quer ser livre, quer viver longe desse ser monstruoso. Pensa bastante, e quando chegam em casa ela já tem a solução. A única e dolorosa solução.
Rodolpho a tranca no quarto do casal e amarra seu pé ao pé da pesada cama de ferro. Em seguida vai dormir no sofá, pois já está quase amanhecendo. Luize decide: É essa a hora.
Na noite seguinte quando Rodolpho vai ate o quarto ver Luize ele se desespera com o que vê. Ele, um ser das trevas acostumado com cenas bizarras, chora ao se deparar com aquilo.
Luize está toda ensangüentada, e chegando mais perto ele pôde ver que ela ainda estava viva, apesar de todo aquele sangue. A seu lado está um velho cabide, igualmente ensangüentado.
- Rod... Rodolpho... – A voz de Luize saía fraca, e era de se espantar que ainda falasse no estado em que estava.
- O que você fez Luize?? – Rodolpho estava desesperado.
- Eu... eu quis matar esse filho do mal que crescia em meu ventre. Queria a liberdade, e jamais a teria com essa criança. – Luize fala em meio ao choro.
- Quis matar nosso filho? Por que? Era meu filho, mas também era seu filho! Como pôde? Como pôde, sua vagabunda! – Rodolpho gritava. Apesar de ser uma criatura das trevas ele amava seu filho, o filho que continuaria sua espécie.
- Desculpe... Eu...
E antes que ela pudesse terminar a frase Rodolpho corta a cabeça de Luize com um único e certeiro golpe. Depois bebeu todo seu sangue, já meio frio. Em seguida saiu pela noite, pois precisava encontrar uma outra moça para gerar seu tão sonhado filho.
Hanna caminhava sozinha pelas ruas. Saíra do trabalho a pouco e seguia para sua casa que ficava a menos de dez minutos do centro da cidade. Caminhava apressada, com passos firmes. De repente ela ouve um ruído atras de si. Se vira e nada vê. Ela da de ombros e ao virar-se novamente para a frente a fim de seguir seu caminho ela vê um belo rapaz, de longos cabelos negros, segurando uma linda rosa vermelha em uma das mãos. Ela sorri.
- Olá. – Rodolpho exibe seu lindo sorriso.
- Olá... – Hanna responde com um sorriso tímido.
- A vi de longe e a achei linda. Aceitaria essa rosa?
- Oh é linda...
Rodolpho sente que essa será mais fácil de dominar do que Luize assim que a viu de longe.