* Segundas Chances * - Parte I



Não tenho o costume de escrever contos, geralmente recaindo em poesias e crônicas; Sendo que se os faço, resultam sempre em textos curtos. Esta é uma "aventura"/tentativa minha de contar uma história mais longa, em três partes. Assim, hoje entrego o primeiro terço do conto, esperando que gostem e que me ajudem a melhorar... Quem sabe eu não acabe inspirando-me a novas e futuras tentativas, não é mesmo?



          O trem estava parando na estação. Aquele som dos freios impregnava qualquer pensamento, bem como o cheiro do ferro cortava o frio que fazia no dia. Após tanto tempo, reencontrar-se-iam os amantes, ainda que não soubessem agora. Dois amigos abraçar-se-iam com a força da saudade. Uma família exaltar-se-ia com a presença daquele que distante mora. Até um devedor fugiria ao reconhecer o credor que voltava a cidade. 
          Quase impossível não notar a expectativa passar por cada janela daqueles vagões. O trem chegando, trazendo os homens até onde o tempo não ousava transcorrer. Para Lucas, no entanto, o que sentia congelava o seu íntimo, era como retornar a uma época que jurou apagar do seu córtex.
          Bebeu de seu uísque, mesmo sabendo que entorpecente algum resolveria o por vir. Insistiu para si; numa quase inaudível voz:
          - Estou só de passagem, meu destino é outro. Apenas falarei com o motorista que a empresa contatou, e estarei fora daqui num só tempo.
          - Fim da linha! – Anunciou o cobrador.
          Pensou consigo, antes de conseguir movimentar-se: “Será este o fim da linha mesmo?” Arrepiou-se com a idéia. Ajeitando o casaco, estremeceu ao ouvir aquele suave cochicho tão perto de si:
          - A verdade é que nem sempre temos uma segunda chance.
          Procurou, com o canto de seus olhos, por quem havia dito aquilo – nada! Olhou nos bancos próximos e não notou alguém que parecia agir estranhamente. Retomou seu centro e racionalizou o que acabara de acontecer:
          - Deve ser o cansaço.
          As malas abarrotadas de recordações, de roupas, de sapatos e de um perfume que lhe marcava como estrangeiro na sua cidade natal. Desceu do trem, com uma pressa nada costumeira, estava cada vez mais perto de seu destino derradeiro. Caso sua memória não lhe falhasse, o nome do taxista que o libertaria daquela angustia de lugar era Emanuel.
          Lucas havia sido designado pela sua empresa para conferir as atividades de uma filial no interior do estado – a verdade é que se tratava de um desafio, um teste, para descobrir a sua voracidade no alcance de uma promoção. O único inconveniente é que a cidade era praticamente incomunicável. Além do trajeto já percorrido por ele, com uma rápida viagem de avião e outra de trem, ele teria que tomar um táxi por mais 2 horas para chegar ao local. Havia cogitado ir de helicóptero, para evitar cruzar com sua cidade natural. Contudo, não deu teto para vôo, tratava-se do inverno mais rigoroso dos últimos 22 anos.
          
Aproximou-se do guichê, com a intenção de informar-se quanto ao paradeiro do taxista.
          - Há quanto tempo não me perguntam dele! – Espantou-se a morena dona de um corte de cabelo ultrapassado. – Emanuel saiu faz poucos minutos. Houve um anúncio de tempestade pelo rádio e conhecendo o trajeto, julgou melhor voltar. Mas ele aparece amanhã com certeza.
          Empalideceu-se, por alguns segundos não conseguiu formular nenhuma frase em sua mente, até que uma corrente fria dominou sua coluna, respirou fundo e falou:
          - Não tem outro motorista que possa levar-me até São Otaviano?
          - Sinceramente... Não. Emanuel é o único que faz esta trajetória, acredito eu que ele seja o único taxista de lá. Sabe que São Otaviano é uma cidade bem isolada.
          - Ouvi falar.
          - O senhor vai fazer o que por lá? – Encurvando-se para frente, como se pronta para ouvir a fofoca do século. – Algo haver com as minas?
          - Por um acaso você não teria o telefone dele? – Ignorando a impertinência da mulher.
          Torcendo o nariz, sentando-se corretamente, soltou com certo desdém:
          - Não tenho. E já está tarde. Com a tempestade vindo, temos toque de recolher às... – Interrompida.
          - 20 horas.
          - O senhor já veio para cá? – Agitou-se atiçada pela curiosidade.
          Sem nenhuma vontade de responder, conhecendo as regras, viu-se encurralado:
          - Tem algum hotel nesta cidade? 
          - Dois. O Imperador e o Grand Hotel. Eu, particularmente, recomendo o Grand Hotel, tem mais classe, mais...
          
Deixou-a falando sozinha, agarrou sua mala e, com a pouca coragem que lhe sobrara, dirigiu-se para a cidade – fruto de seu assombro e de noites em pesadelos suados. Parou no arco de entrada e deu uma boa olhada, no movimento, nas esquinas, nos rostos. Parecia tudo tão estranho e familiar, os mesmos prédios e ruas de sua infância estavam lá, mas havia uma agitação diferente, as cores, os letreiros, algo havia mudado, que de alguma forma não alterava nada. Olhou no relógio, eram 19 horas e 15 minutos. Precisava achar um hotel. 
          - Táxi! – Acomodou-se. – Leve-me ao hotel mais próximo.
          Já sabendo da possibilidade deste encontro tornar-se mais uma daquelas inconvenientes conversas, puxou de seu iPhone e, com os fones, selou-se para o mundo exterior. Uma curiosidade, que por certo não deseja sanar, atormentava seus pensamentos: “Alguém ainda se recordaria dele? Do que aconteceu?” – o cansaço começava a dominar seu corpo. Sentiu uma frenagem brusca. Ainda atordoado, viu-se diante ao “Grand Hotel” – que de fato possuía uma aparência imponente, diferente de tudo que remetia àquela cidade. Adorou a idéia.
          O hall de entrada era praticamente o sinônimo de dourado. Lustres, móveis, peças de decoração, tudo parecia saído de um filme da glamurosa fase do cinema. E por entre aquela atmosfera inebriante, a segurança acomodou-se no seu íntimo, não haveria motivos para preocupar-se, seria uma noite em um hotel sem precedentes no seu passado.
          - Em que posso ajudá-lo, senhor?
          - Gostaria de um quarto para a noite.
          - Tem reservas?
          - Não.
          - Casal ou Solteiro?
          - Solteiro, por favor.
          - Preciso de sua identidade e CPF para fazer o registro. – Entregou a documentação. – Obrigada.
          Ao ler o nome, ela soletrou cada detalhe dele, não conseguia crer que realmente era ele. Aquietou-se, não podia demonstrar a exaltação em seu atendimento. Afinal, ele não parecia nervoso ao vê-la. Provável que nem a tenha reconhecido – mudara muito sua aparência desde o colégio. Respirou o ar anunciatório da tempestade:
          - Lucas Nogueira?
          - Isto mesmo. – Contendo-se. 
          - Quarto 347. – Entregando as chaves.
          - Obrigado. 
          - Tem apenas esta bagagem de mão?
          - Sim. Eu mesmo levo, não há necessidade de chamar ninguém.
          Enquanto Lucas se distanciava da portaria, ela temeu pelo que aconteceria se percebessem a presença dele, tremeu ao cogitar que a cidade intolerante antes adormecida, urgisse como antigamente. Marina, a recepcionista, não compreendia os motivos para que ele retornasse a este tão cinza lugar. Talvez a tempestade significasse algo maior do que o imaginado. Depois do que presenciou do passado de Lucas, não duvidava de mais nada.
          Adentrando-se no elevador, entonteceu com mais dourado cegando-lhe enquanto abriam-se as portas, escolheu o andar e fixou o olhar para o chão. Neste instante, agradeceu por estar sozinho e por não ter encontrado ninguém daquela época sentida. Refez seu itinerário, enquanto não chegava. Não conseguia concentrar-se, repetiu consigo por umas três vezes: 
          - Pegar o táxi até, até... De novo: Eu pego o táxi na estação e vou até a cidadezinha, daí... Daí o que meu Deus! Que ódio! Depois eu leio no meu notebook. As lembranças ainda estão tão vivas em mim, tomara que para a cidade não.
          Chegou ao andar e foi até o seu quarto. Ao abrir a porta espantou-se com o quarto, não que fosse feio ou sujo, simplesmente destoava do resto da decoração do local, não combinava sequer com a cidade – tinha um ar high-tech, ótimo para empreendedores e demais trabalhadores do gênero. “As minas devem estar chamando mais atenção do que eu imaginava”. Pensou em alta voz. 
          Largou tudo e correu para um banho quente. O único problema é que o relógio já anunciava 20 horas, e por melhor que o hotel fosse o frio não poupou o encanamento, congelando-o instantaneamente. E não só os canos pareciam gelados, todo o local bebeu de um ar frígido. Sem o banho, restaram-lhe poucas alternativas para aquecer-se, vasculhou o pequeno bar acima do frigobar, lembrou-se da jornada matutina que se seguiria, acabou optando por uma boa refeição seguida de um chocolate quente. Telefone em mãos; Liga.
          Na recepção, por sua vez: 
          - Grand Hotel, em que posso serví-lo?
          - Ah, boa noite.  Estou no quarto 347 e gostaria de pedir um jantar, qual seria o ramal da cozinha?
          - Ramal 15. Mas se o Sr. preferir, é só fazer o pedido a mim que repasso aos cozinheiros. – Disse aquela que o havia atendido na entrada.
          - Bom, quero o prato do dia e mais um chocolate quente, por favor. 
          - Sim senhor. – Acatou a ordem com um ar de nervosismo.
          Seu companheiro de turno Reinaldo Luciano, estranhou a docilidade e atenção despendida por ela. Apelidada de general, Marina sempre fora incrivelmente rígida, sem incluir má-educação, até mesmo com os clientes. Sabia que havia uma única explicação:
          - Você deve tê-lo achado muito interessante. Nunca vi você tão “solícita” com ninguém, especialmente com alguém estranho. – Como tinha a mania de ter a boca mais rápida que o bom-senso, disparou e depois se arrependeu. Para sua surpresa Marina simplesmente respondeu:
          - Achei. – E saiu.
          Reinaldo Luciano ficou confuso com a situação toda. Era algo totalmente fora do comum, mas no fundo adorou a idéia de alguma forma amansar a General. Já se imaginou podendo cochilar durante o turno, comer algumas das guloseimas da cozinha e até mesmo paquerar com as camareiras. Estava tão compenetrado deliciando-se com as possibilidades que levou um susto nada discreto ao ouvir o telefone tocar. Desajeitado como só, levou um tombo, mas logo se recompôs:
          - Grand Hotel, em que posso serví-lo?



          CONTINUA...


Karla Hack dos Santos
Enviado por Karla Hack dos Santos em 25/03/2010
Código do texto: T2158540
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