Helene
- Helene, Helene!
Uma voz exclamava, ao longe, meu nome a tanto esquecido por todos. Eu não sabia de onde ela vinha, não era possível avistar ninguém além de o meu próprio ego. Um medo se aconchegou em meu peito, uma paz se instalou em meu último calafrio e eu a vi. Ela era linda, doce criança à procura de um colo para se ajeitar e adormecer. Sorridente, com os olhos inchados e o dedo polegar na boca. Obviamente, o dedo substituíra o bico que, aquela altura, talvez nem existisse mais. Se engraçando levemente para o meu lado, em um pulo de criança pequena, ela se agarrou à minha perna e segundos depois ergueu os braços, pedindo para ser carregada. Como poderia eu, deixar em tamanho desamparo uma criança indefesa, tão inocente sobre sua própria existência? Não podendo conter meu instinto carreguei-a e em forma de agradecimento, ela lançou-me um sorriso e deitou sua cabeça sobre meu ombro. Dormiu então, após poucos segundos. Sua respiração era serena e eu tentava acompanhar aquele ritmo que parecia música entoada pelo vento em direção ao mar. Caminhei sem rumo por horas e meus joelhos não se agüentavam mais, o peso da criança não era pouco. Eu apenas procurava um lugar seguro e confortável para aconchegá-la, mas até aonde eu tinha visto, meu colo era o lugar mais confortável e, senão fosse dizer muito, o mais seguro. Com movimentos pequenos e delicados, beirei um lago e logo consegui me sentar e mergulhar os meus pés na água. Ela tremia e as pontas de seus dedos estavam ficando arroxeadas, era o frio. Então, deitei-me em forma de concha e a aconcheguei por sobre meus braços e minhas pernas. Parecia que ela estava flutuando. Em um último lance de olhares, percorri todo o local e fechei os olhos. Segurei-a e tentei tampá-la completamente, mas não sei se consegui. Meu sono foi maior que minha vontade de aquecê-la e, quando dei por mim, abri os olhos e estava deitada em minha cama. Sozinha novamente, como sempre. Olhei no relógio, eram 05:30 e o dia não havia clareado ainda. Tudo aquilo fora apenas um sonho, eu era apenas a Helene que mora no Edifício Palazzio, no oitavo andar de frente para o mar. Cochilei mais um pouco e quando já chegavam as 06:30, levantei e fui tomar um banho. Me vesti com uma roupa formal, tomei um café reforçado e fui trabalhar. Meu dia foi extremamente comum e quando cheguei ao apartamento, pensei em dormir. Não, eu não poderia dormir. Senti dois calafrios, um seguido do outro.
- Helene, Helene!
Uma voz exclamava, ao longe, meu nome. Um medo me invadiu, a luz se consumiu em meio à escuridão e eu senti uma forte presença se aproximar. Um cheiro de criança, uma mão pequena, um rosto sem olhos. Uma história linda, de amor altruísta virando filme de terror. Era apenas mais um sonho, ou a criança realmente existia?