III - Hotel Califórnia (Demônios em sua porta)

Já faziam algumas horas que eu havia pego a estrada, e minha mente não tinha parado por sequer um segundo. Pensamentos indo e vindo, sobre o que estava acontecendo, o que havia acontecido, como as coisas estavam prestes a mudar para sempre de um modo que eu nunca tinha imaginado.

Eu estava tão perdido em meus pensamentos que nem mesmo observei por onde passava. Quando dei por mim, estava em uma estrada deserta, da qual não fazia a menor idéia de como havia entrado nela. Ela era reta em sua maioria e à minha volta não existiam nada alem de rochas, areia e terra cercando a estrada, raramente aparecia uma pequena arvore. Já era fim de tarde e o sol começava a se por, o céu tomava uma coloração que variava do azul escuro, no ponto mais distante do pôr-do-sol, até o um tom mais laranja, no ponto onde o sol se encontrava, passando assim também por um tom puxado para o roxo, as nuvens ganhavam tons de laranja avermelhado, que faziam com que parecessem estar em chamas.

Viajava rápido, na esperança de que a velocidade me levasse para longe dos meus problemas, para longe dos fantasmas que agora estavam a atormentar a minha mente, mas isso não acontecia, minha mente parecia girar mais rápido que as rodas da moto na qual viajava. Ela sempre voltava à minha cidade natal, aos lugares nos quais passei boa parte da minha vida, nos rostos de cada pessoa que foi importante para mim, nos bons momentos com meus amigos, com a banda..., em cada momento triste, em cada face que me ajudou... e sempre voltava aos olhos da Bruna, sorrindo para mim ao dizer que me amava, nos olhos da Kaulí, banhados em lágrimas ao desvelar o que ela sentia por mim, pensei nos adeus que nunca disse e em como foi duro me despedir.

Tentei então novamente limpar a minha mente, tentei me concentrar apenas no vento, que era forte devido à velocidade da viagem, que tocava com força em minha face, pois eu viajava sem capacete, só conseguia seguir de olhos abertos graças aos óculos escuros, que a essa altura já começavam a me atrapalhar, pois estava escurecendo. Então as nuvens, que ao fim do entardecer pareciam estar em chamas, agora se aglomeravam, formando um enorme manto negro, pesado como o chumbo, o vento aumentava, era o prenúncio de um forte temporal. Então ouvi o primeiro trovão, e junto a ele liberei o meu espírito, em um grito de ira e dor, que subiu pelo meu peito e preencheu toda a minha garganta, liberando nele toda a minha energia, por um instante ele pareceu mais alto que o ronco do motor da moto, mais alto que o trovão, um grito que carregava toda a minha ânsia de liberdade e toda a dor da separação.

A chuva começou a cair, com pingos grossos que batiam forte na minha pele e pareciam que iriam rasgar o meu rosto. A tempestade se lançava com força e violência, estava ficando difícil continuar, foi então que a minha frente eu vi pontos de luz que se aproximavam rápido, e quando dei por mim, havia um caminhão vindo em minha direção, só tive tempo de tentar jogar a moto no acostamento. Perdi um pouco o controle, ela cambaleava e tentei diminuir a velocidade, não pude me equilibrar, cai tentando saltar da moto, rolei por alguns metros e acabei por bater com a cabeça em uma rocha, não sei como consegui não morrer ali, tentei me levantar, e percebi que havia sangue escorrendo pela minha face junto à água da chuva, tentei dar alguns passos em busca da minha moto e ao olhar para a estrada vi novos faróis se aproximando, desta vez em um veiculo menor, tentei fazer algum sinal, mas minha visão ficou turva e cai desmaiado antes que tivesse certeza de que alguém havia me visto.

Algum tempo depois, acordei deitado no estofado traseiro de um carro, minha cabeça doía e eu ainda estava meio confuso, não fazia idéia de que carro era aquele ou como entrei nele, gemi tentando me levantar e então ouvi uma voz feminina.

– Então, resolveu acordar? Foi rápido, mas fique preocupada.

– O que houve? Pra onde estamos indo?

– Pode ficar calmo, eu te vi caindo na beira da estrada e parei para ajudar, te coloquei ai atrás, e estamos indo para um hotel próximo daqui que conheço, ali podemos esperar a chuva passar e chamar um reboque para a sua moto.

– Obrigado pela ajuda.

– Candace – ela olhou para trás para falar e eu pude ver que seus olhos eram azuis e que ela tinha cabelos negros, lisos cortados à altura do queixo – pode me chamar de Candece.

– Argus. Obrigado pela ajuda Candace.

– Olha, você acha que precisa ir a um hospital? Parece que você bateu com a cabeça. – ela disse olhando pelo retrovisor.

– Acho que não. Parece que foi só um corte na testa, nada grave.

– Ótimo. Tem um kit de primeiros socorros embaixo do banco, acha que consegue fazer um curativo.

– Claro. Eu agradeço.

– Não precisa agradecer – ela disse olhando para trás e sorrindo – eu tenho essa mania de ajudar as pessoas. Desde que você não seja um serial killer ou um tarado pronto a me estuprar, esta tudo bem. – nós dois começamos a rir.

– Não, pode ficar tranqüila, eu não sou nada disso.

– Menos mal.

Eu fiz meu curativo, não era nada serio apenas um corte, e passei para o banco da frente, não gostava de ficar atrás sendo conduzido, além do mais, queria ver melhor a face dessa mulher que ajudava um estranho em meio a um temporal. Ao me acomodar e olhar para o lado, vi que ela era jovem, devíamos ter aproximadamente a mesma idade, ela tinha o nariz delicado e reto, o rosto tinha um formato fino, bem desenhado, maçãs do rosto levemente ressaltadas e boca pequena, parecia ser de estatura mediana, mas como estava assentada não pude observar bem, usava calças e uma jaqueta jeans, a jaqueta até a altura da cintura, usava também uma camiseta de malha branca que parecia meio molhada, provavelmente por ter me pegado na chuva.

Permanecemos algum tempo em silêncio e chegamos ao hotel, no letreiro luminoso, com a segunda letra piscando, estava escrito Candle. O lugar na verdade era pequeno, um tipo de pequena pousada, daquelas que parecem ter sido uma casa de família e depois acabam se transformando em uma pousada. A aparência do lugar era rústica por fora com paredes de pedra.

Ao entrarmos, percebi que o lugar era bem arrumado, as paredes do interior eram brancas, os móveis pareciam antigos, mas bem conservados e com acabamento cuidadoso, havia um grande lustre no teto do qual pendiam losangos e gotas de vidro. No balcão da recepção, estava um homem de meia idade, tinha o rosto cheio, um sorriso receptivo, mas olhos ferozes, os cabelos estavam ficando grisalhos. Candace se dirigiu a ele:

– Oi Tom! Como vão as coisas?

– Ora, você sabe. As coisas aqui não mudam muito, então nada de especial aconteceu desde que você esteve aqui pela ultima vez. Mas Deus do céu! Como você está linda! Seu pai se orgulharia de te ver Candie. – ela ri um pouco, meio sem jeito pelo elogio.

– Obrigado Tom. – ela olha para baixo enquanto começa a falar – Tem sido difícil sem ele, mas eu estou tentando fazer o melhor que posso.

– Não se preocupe garota, você está indo muito bem. Mas veja só como você está molhada! Vai querer um quarto certo?

– Na verdade dois. Acho que o meu amigo ali atrás também não tem onde passar a noite. – ela aponta para mim com o polegar por cima dos ombros.

– Claro Candie. Mas, o que houve? Vocês dois estão muito molhados e ele tem um curativo na testa. Está tudo bem com você? – Está. Não precisa se preocupar. É só que sai do carro para ajuda-lo na chuva, mas nós dois estamos bem. A propósito Tom, posso usar o telefone? Precisamos chamar um reboque para a moto dele.

– Use a vontade, está é sua casa.

– Obrigada.

Após ela ligar para o reboque e fazermos o check-in, ela me levou até os quartos.

– Bem, você pode ficar aqui neste quarto, – ela me entregou as chaves – amanhã sua moto já deve estar aqui. Você tem certeza de que não precisa ir a um hospital?

– Tenho, obrigado. Eu estou bem não precisa se preocupar, já está fazendo muito por mim.

– Não se preocupe com isso. Depois você me paga. – ela disse isso e piscou com um olho, depois começou a rir. – É brincadeira. Bem, então pode se acomodar aí e tomar um banho se quiser, eu vou estar lá embaixo, então quando você descer vamos jantar, certo?

– Não é preciso, eu... – ela não permitiu que eu terminasse de falar.

– Sem essa. Eu vou ficar esperando e você vai descer... quero dizer, será que você não pode fazer companhia a alguém que salvou a sua vida? – ela tentava falar estas coisas com um tom irônico, mas no final não agüentou e sorriu novamente.

– Está bem eu vou, – não agüentei e ri junto com ela – daqui a pouco tempo estarei lá em baixo para jantarmos.

Depois de me trocar eu a encontrei no hall de entrada do hotel, ainda chovia, ela me levou até seu carro e fomos a um bar próximo ao hotel. Chegando lá, vi que o lugar parecia com aqueles pubs ingleses ou irlandeses que se vê em filmes. Nos dirigimos até uma mesa e nos assentamos. O lugar tinha um grande balcão de madeira, atrás uma série de prateleiras com vários tipos de bebidas, haviam varias mesas no lugar, mais ao fundo ficava um espaço que parecia ser reservado a um pista de dança e um lugar para apresentações, próximo ali, entre este espaço e as mesas, havia um jukebox.

Nós pegamos uma mesa e ela pediu uma bebida até que se decidisse o que iria comer, eu não tinha fome, estava ali apenas a acompanhando.

– Você não vai comer nada?

– Na verdade não estou com fome, eu te acompanho na bebida por enquanto.

– Você quem sabe – ela pediu ao garçom dois gins.

– Não se preocupe com isso.

– Bem,... então Argus, o que aconteceu? Você sabe, antes de eu te encontrar caído no meio da estrada.

– É uma historia complicada e comprida.

– Eu até que gosto de historias longas, pode começar. – ela sorri com uma doçura que eu jamais havia visto.

– Eu... – olho para a mesa e começo a coçar a cabeça com a mão esquerda, pensando em tudo que eu havia passado e como eu poderia dizer isto a alguém – não basta saber que antes eu estava lá e agora estou aqui? – o fato é que não podia dizer, não acreditava que alguém fosse compreender ou acreditar, pois eu mesmo tinha dificuldade nisso.

– Não, – ela me olha de tal modo que é como se disse: o que você está pensando? – eu quero saber. Até onde eu sei você ainda pode ser um serial killer.

– Nossa! Será que tenho tanta cara de assassino assim? – ela ri, tem o sorriso muito fácil – está bem. Eu estava... como posso dizer... fugindo.

– Sabe que isso só me faz pensar, ainda mais, em você com uma faca? Fugindo do que?

– Fugindo... não sei direito,... do meu passado... de mim mesmo... acho que, estava precisando correr na estrada um pouco pra me encontrar.

– Mas você não estava fugindo de você? Então pra que precisa se encontrar?

– Humm... xeque-mate. É estranho eu sei, mas eu precisava deixar pra trás tudo que eu conheci e encontrar as respostas para o que eu me tornei. Acho que a minha cabeça andava cheia demais e eu precisava esvazia-la um pouco. Aí eu resolvi pegar a estrada e deixar tudo pra trás. Viajei nem sei por quanto tempo, quando me dei conta havia um caminhão vindo na minha direção e eu me joguei no acostamento... e aí você viu o estrago que foi.

Neste momento na jukebox tocava uma musica que dizia na letra:

on a dark desert highway

cool wind in my hear

warm smell of colitis

rising up through the air

up ahead in the distance

I saw a shimmering light

my head grew heavy and my sights grew dim

I had stop for the night

Então Candace disse:

– Nossa! Ouviu isso? Ate parece que essa musica foi feita encima do que você está me contando.

– Você acha?

– É... eu acho.

– Se você diz – eu fiz um movimento de ombros como a dizer que tanto fazia.

– Mas... e neste lugar de onde você veio, o que houve lá?

– Lá? Lá eu encontrei pessoas, lugares e momentos de muito valor, mas deixei tudo cair por terra, perdi muita coisa,... vi lágrimas que não desejava ver... tive de me despedir, com um adeus que não pude dar... E quando algo assim acontece, as lembranças podem doer mais do que se suporta, então quando isso aconteceu vi que era hora de partir.

– Então você estava fugindo das suas lembranças e não de você.

– Bem, minhas lembranças são parte de mim, eu sou a minha história. Pelo menos é assim que penso.

– É, acho que tem razão. – neste momento o garçom chega com os nossos pedidos, e tento aproveitar a brecha para tirar o assunto de mim.

– Mas e você? Qual é a sua historia?

– A minha... – ela fica reticente, os olhos, agora voltados para o copo de gim, já não estão carregados de energia como outrora, ela toma um gole e começa a falar – Eu cresci por estes lados, quando ainda era uma criança perdi minha mãe, ela estava muito doente e não resistiu. Meu pai ficou arrasado desde a morte dela, levou muito tempo para começar aos poucos às atividades normais. Mas desde que ela se foi, nós ficamos muito juntos, ele sempre foi o meu maior apoio. Os anos foram passando e um dia decidimos nos mudar daqui, nós morávamos onde hoje é aquela pousada na qual estamos hospedados, Tom era um grande amigo do meu pai e acabou comprando a casa quando decidimos vende-la e a transformou na pousada. – ela parece ficar perdida nas próprias memórias por um instante, seus olhos ficam vidrados e sua expressão vazia, ela não está ali, mas revivendo algo naqueles dias – Mas então quando já tínhamos tudo pronto para viajar,... – ela toma fôlego para continuar e também mais um gole de sua bebida – nós iríamos para o litoral, meu pai queria que terminasse meus estudos lá, saímos à noite, mas houve um acidente, um caminhão nos atingiu em uma curva, meu pai morreu no acidente, – os olhos dela, ainda perdidos no vazio, agora ganham um ar melancólico e doloroso – eu fiquei em coma por quase um ano. Tom cuidou de tudo, eu perdi o enterro do meu próprio pai e hoje Tom é o mais próximo de uma família que eu tenho.

– Eu sinto muito.

– Eu agradeço, mas não se preocupe, hoje já está tudo bem.

O garçom chega com o que ela havia pedido para comer, nada além de um hambúrguer e batatas fritas, ela olha para o prato, ainda pesarosa pelos fatos que acabou de trazer à memória, apenas pega umas batatas, mas não as come, fica balançando-as, com as pontas para baixo, de um lado para o outro, de repente ela se levanta e segue para o jukebox. Eu ainda não havia prestado atenção na forma como ela estava vestida agora, ela trajava botas longas, de marrom muito escuro, uma saia preta, feita de um tecido leve, uma camiseta vermelha e a jaqueta jeans. Ela era realmente bela e andava de um modo descontraído e insinuante.

A garota para em frente à maquina, coloca uma moeda e fica alguns segundos procurando a musica escolhida. Quando a coloca eu reconheço a melodia, eu já a havia tocado com Art e Chela na banda. Então ela vem para o meu lado estendendo os braços e me chamando para dançar, enquanto na maquina soava aquela inconfundível melodia, com uma letra que tanto eu quanto ela conhecíamos bem, pois ela cantava junto com a maquina.

Take down to the paradise city

Where the grass is green

And the girls are pretty

I want you please take me home

– Vem, dança comigo. – ela sorria enquanto falava.

– Não, eu não acho que seja bom nisso.

– Não importa – ela me pega por uma das mãos e começa a puxar para a pista – é só se deixar levar pelo ritmo. Vamos eu preciso dançar.

– Mas...

– Por favor. – ela sorri e me puxa, eu acabo indo.

Nós dançamos aquela música e mais algumas até que ela se cansou. Após isso ela comeu seu hambúrguer e nossa noite consistiu nisso. Fomos para o hotel em seguida, chegando lá ela já parecia melhor, já havia se recuperado das lembranças ruins no pub. Nos despedimos e fomos para nossos quartos, ela parecia estar cansada ou talvez, estivesse apenas tentando disfarçar o tristeza que poderia estar sentindo, por ter se lembrado do pai.

Eu entrei em meu quarto e cai na cama, mas não consegui dormir. Minha cabeça ainda girava rápido demais. Rolava na cama de um lado para o outro, mas meus olhos não se fechavam, ficavam fixados no teto do quarto, em um tom salmão, por onde passavam sombras de uma árvore, que ficava do lado de fora e agora era iluminada pela luz da lua, quem olhasse para o céu agora seria incapaz de dizer que havia chovido tanto a tão pouco tempo. Assentei-me na beirada da cama encarando as paredes do quarto, que tinham a mesma tonalidade do teto, tentando limpar a minha mente, mas eu não conseguia parar de pensar em tudo que estava acontecendo, em todas as coisas que eu havia visto quando decidi sair da minha cidade. Já não sabia se eu era são ou louco. Aquilo foi real demais, as vozes, as faces... tudo... mas afinal de contas, os loucos também não crêem que suas alucinações sejam reais? Talvez eu devesse admitir isso, eu estava louco.

Me levantei e fui até a janela, eu precisava de um ar. A lua no estava cheia no céu, majestosa, fiquei contemplando-a durante algum tempo. Era reconfortante, mas não o tirava todo esse turbilhão da minha mente, eu tornei a olhar para o lado de dentro do quarto, em um canto escuro próximo à porta. Então ali, primeiro me pareceu haver olhos me observando, olhos luminosos, eu esfreguei meu olhos enquanto pensava: Qual é cara?! Sai dessa isso é só piração da sua cabeça. Mas quanto abri meus olhos novamente eles continuavam ali. Eles começaram a se aproximar, como se alguém caminhasse para fora da escuridão. Então o que eu vi sair daquele canto escuro, era uma mulher, que trazia o corpo à mostra, era Candace.

Ao menos foi o que pensei em um primeiro momento, mas não podia ser, embora ela tivesse o rosto de Candace, tinha longos cabelos vermelhos como o fogo, e a pele era mais clara, branca como o luar e trazia por todo o corpo uma serie de símbolos, como se fossem tatuagens, mas tinha um tom muito claro e luminoso de verde. Ela veio até mim, caminhando com passos tão suaves e belos, que era como se flutuasse, quando chegou mais perto, estendeu as mãos, percebi que nelas haviam marcas, com a forma de uma meia lua no dorso das mãos. Ela segurou meu rosto entre suas mãos e aproximou-se o suficiente a ponto que eu pudesse sentir seu cheiro e disse:

– Você tem algo que eu quero. – ela disse com uma voz suave sedutora, que eu nunca havia ouvido.

– Do que você está falando? – a pele dela tinha um cheiro doce, convidativo.

– Vamos, me mostre. Deixe-me senti-lo.

– Candace, – eu retiro as mãos dela da minha face – eu não estou entendendo o que você está falando.

– Candace não está aqui.

– Mas então quem é você?

– Não importa o meu nome. O que importa é o que há em você. Eu preciso da sua energia. Me mostre!

Ela estende uma das mãos, com a palma voltada para mim, seus cabelos começam a esvoaçar levemente como se um vento viesse do chão, as marcas em seu corpo adquirem um brilho mais forte e seus olhos tornam-se apenas uma luz branca. Senti meus músculos se paralisarem, eu tentava me mover, tentava fazer algo, mas não conseguia. E ela continuava a dizer:

– Pare de resistir. Se entregue, deixe-me vê-lo. – a voz dela era tão sedutora quanto o canto de uma sereia, eu tentava resistir. – Será mais fácil assim.

– Eu já disse que não sei do que você está falando! Deixe-me em paz.

Então eu comecei a me sentir estranho, como na noite na qual tive aquele sonho ainda em minha casa, o sonho no qual aparecia aquela figura negra com olhos em chamas. E novamente aquela sensação, do meu corpo começando a aquecer, eu acreditava que definitivamente estava enlouquecendo. Com meus músculos paralisados e aquela mulher na minha frente, tudo que eu queria era me libertar, me mover e sair desta situação. Senti meu corpo ficando ainda mais quente, meus olhos entraram em chamas, em seguida todo o meu corpo estava queimando. Com um brado, me libertei e cai de joelhos no chão, eu levantei a cabeça e encarei a mulher fixamente, minha respiração estava pesada, eu sentia a fúria pulsando em mim. As chamas do meu corpo cessaram, as dos meus olhos não, mas ainda sentia aquilo correndo em minhas veias, meu sangue era como fogo liquido correndo por todo meu corpo.

Ela veio para o meu lado, com um sorriso malicioso e malévolo em seu rosto, então acho que compreendi do que ela falava. Eu fui tomado pela ira e meu corpo irrompeu em uma explosão de fogo e eu apaguei. Quando despertei, estava em uma cama de hospital.

Minha cabeça doía e eu estava confuso com tudo o que havia acontecido, não sabia se aquilo não passava de uma ilusão ou se foi real. Estar ali naquele quarto com paredes brancas e aparelhos apitando, me deixava angustiado, tentei me levantar e ouvi uma voz:

– Você acordou? Que bom! – era uma enfermeira que falava, não havia percebido que ela estava no quarto – não se levante vou chamar o doutor para te examinar.

Passou algum tempo até o medico chegar. E nesse meio tempo, eu fiquei repassando os fatos tentando entender o que havia acontecido comigo, deve haver uma causa para tudo isso. Quando o medico chegou ele começou a me examinar para ver se eu já estava bem ou se precisava permanecer ali por mais tempo.

– É, parece que você está bem meu jovem – o medico era magro alto, com os cabelos começando a ficar grisalhos, sobrancelhas vistosas e nariz aquilino – só precisará ficar hoje em observação e depois poderá ir embora. É surpreendente como vocês jovens se recuperam rápido. Mas da próxima vez tome mais cuidado, você teve muita sorte de o seu acidente não ter sido grave, ou mesmo letal, afinal de contas era um caminhão.

– Caminhão? – eu não compreendia, minha ultima lembrança era a mulher no quarto do hotel.

– É isso mesmo. Você se acidentou na estrada, tentando desviar de um caminhão.

– Não. Eu não sofri nada na estrada,... quer dizer eu desmaiei por um instante, mas Candace me socorreu no meio da estrada e me levou para o hotel. Eu estava em um quarto de hotel e não na estrada.

– Bem, é normal que alguns paciente despertem com delírios quando saem do coma.

– Coma? – agora sim eu estava mais confuso.

– Deixe-me lhe contar o que houve. Você parece meio confuso. Essa Candace, ela é sua parente, sua namorada? Por que o motorista o trouxe até aqui, mas não temos informação nenhuma sobre você.

– Não, ela não é nada minha, mas... eu não estou compreendendo.

– Escute, você estava na estrada, chovia muito, um caminhão surgiu, o motorista não estava enxergando direito devido à chuva, segundo ele você iria se chocar contra ele, mas se jogou no acostamento, foi o que ele relatou, o motorista se assustou com isso, parou o caminhão e desceu para ver se você estava bem, ele te encontrou desacordado no chão e o trouxe para este hospital, você parecia ter batido com a cabeça.

– E a quanto tempo eu estou aqui?

– Você chegou aqui em estado de coma e permaneceu desacordado por dois dias.

– Eu não estou entendendo,...

– Não se preocupe, em alguns casos como o seu é normal o paciente despertar com um estado de confusão. Mas não se preocupe, não é nada sério, você ira recuperar a sua memória. Vai ficar em observação hoje. Descanse, amanhã nos falamos e se você estiver bem receberá alta.

O medico deixou o quarto. Nada daquilo fazia sentido para mim, tudo havia sido tão real.

Eu tentei descansar, esvaziar a cabeça e dormir um pouco, foi difícil, eu ficava olhando aquelas paredes brancas e minha cabeça não parava de repassar todos os acontecimentos, não só os da ultima noite em minha memória, mas desde que tudo começou ainda na minha cidade. Por fim acabei por cair no sono. Na manhã seguinte o médico veio me ver, disse que estava tudo bem e me deu alta, disse que poderia deixar o hospital à tarde.

Quando eu deixava o hospital passei em frente a um leito que prendeu minha atenção. Não podia ser, eu esfreguei meus olhos pois não acreditava no que via. Era Candace, ela estava ali, desacordada. Eu fiquei algum tempo olhando-a pasmo, sem saber o que pensar, então quando vi uma enfermeira se aproximando da porta do quarto eu a abordei:

– Ei! Espere ai. – ela se virou para mim com um certo ar de interrogação.

– Sim, posso ajudar?

– Pode. A quanto tempo ela está aqui. Acho que a conheço.

– Bem, senhor, eu não sei ao certo, sou nova aqui no hospital, mas ela está ai desde que cheguei.

– E quanto tempo é isso?

– Já faz um mês.

– Céus!... e como consigo informações sobre a internação dela.

– Se o senhor for parente dela é só procurar na recepção.

Eu apenas dei uma olhada no prontuário que a enfermeira trazia para conferir o sobrenome dela e corri para a recpção. Candace, Candace Milles, este era o nome.

Lá eu disse que era namorado dela e já não tinha noticias dela a muito tempo, até que me disseram que ela poderia estar ali. Me passaram as informações que precisava, ela foi internada em coma após um acidente de carro no qual o pai morreu. Ela morava em uma cidade a alguns quilômetros a leste dali.

Decidi que partiria para esta cidade, eu precisava descobrir mais sobre o que havia acontecido comigo, e Candace era ao menos uma indicação de por onde começar a procurar respostas.

W Nophelim
Enviado por W Nophelim em 15/03/2010
Código do texto: T2140582
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