Sede

Era um fim de tarde chuvoso, e Lucio andava apressado pela rua. Estava aproveitando a falta de sol, para ver as luzes da cidade. “Que luzes?” pensou irônico. A cidade só tinha vida quando o sol brilhava – quando em hipótese alguma ele poderia aproveitar. Ou quando a lua surgia, mas ele aproveitava esse momento para outra coisa...

Entrou em uma lanchonete, apenas para disfarçar. Um humano não ficaria na chuva. Sentou-se na mesa mais distante, e menos iluminada. Uma garçonete, muito bonita, se aproximou, sorrindo:

- Gostaria de algo, senhor?

“Voce não vai querer saber” pensou asperamente, mas respondeu numa voz suave:

- Por enquanto, apenas água – ele a olhava nos olhos, por baixo dos óculos escuros. Ela possivelmente se perguntava o porquê deles, num dia de chuva.

Rapidamente, ela trouxe o pedido.

- Qualquer coisa que precisar, basta me chamar. Meu nome é Anne.

- Certo... Anne – sua voz acariciava o nome dela. Ela não devia ter dito isso. Pelo menos não com essas palavras. Se ela soubesse o que ele queria...

Assim que o sol se pôs completamente, por detrás das nuvens, ele pagou sua água intocada, e saiu para esperá-la na noite. Misturou-se às sombras, num beco próximo à lanchonete, para aguardar pacientemente. Sabia que sua fome – ou seria sede? – logo se saciaria.

Ele passara o tempo lá dentro observando a moça. Sorridente, ela servia aos clientes, conversava com as amigas e colegas, e não reclamava com o chefe. Possivelmente, tinha uma grande familia feliz. Seria uma pena ser ela a morrer desta vez. Ele não queria lhe tirar a vida, mas ele precisava. Toda vez que ela se aproximava, ele via o sangue correndo por baixo de fina pele. Por pouco ele não a tomou ali mesmo.

Ele sabia que era errado ficar tão próximo à sua caça, desse jeito. Mas precisava escolher a que melhor lhe satisfaria. Ficar com mendigos e bêbados não era bom; além do gosto péssimo, tinha que caçar mais frequentemente, já que aquele sangue não era muito nutritivo.

Enquanto esperava, oculto no escuro, ouvia atentamente tudo o que se passava na lanchonete. Ouviu a moça se despedir dos colegas com um “vejo voces amanhã”.

- Não prometa o que não pode cumprir – sussurrou ele para o vazio, enquanto se esgueirava atrás dela.

~*~

Ela estava apreensiva. Ficara intrigada com o moço, mas tambem com medo. Era estranho. Afinal, qual perigo aquele misterioso e belo rapaz a ofereceria?

Caminhava para casa, tranquilamente. Pensava em seus pais, seus irmãos. Seu irmão mais velho traria o filho recém nascido para que ela conhecesse hoje. Sem perceber apressou o passo.

Havia algo de agourento na noite, e ela não sabia o que. Ela sentia que havia algo de estranho no ar, mas repetia a si mesma: “Pare de ser tonta! Não há nada errado!”

~*~

Ele caminhava silenciosamente atrás da moça, lutando contra si mesmo, tentando forçar-se a voltar, e caçar um mendigo do qual ninguém sentiria falta. Mas seus instintos o dominavam. “Ela disse ‘qualquer coisa’ - seu instinto sussurrava para a sua consciência - Vá lá e a mate logo!” “Não! ele gritava consigo mesmo Tenho de voltar...” E dava um passo para trás, enquanto sua sede tomava conta e o forçava a continuar a segui-la.

Ele escutava seu coração bater, e lamentava por ser ele a tirar isso dela. Seguiam para a área deserta da cidade. Ele ficava desesperado - pois sabia que se ficassem completamente sozinhos, não teria nada que o parasse -, enquanto seu desejo gritava vitorioso.

Dobraram mais uma esquina entre tantas, e – finalmente – ele não pode refrear-se:

- Anne – chamou, torcendo para que ela não ouvisse, ou ignorasse e seguisse seu caminho.

Mas, ela se virou. Sorriu confusa, ao reconhecer o rosto de quem a chamava, na luz fraca de um poste vacilante:

- Sim? – perguntou cautelosa

- Pode me conceder um favor? – pediu, a voz suave, e irresistível

- Depende... Posso saber seu nome? – ah, se ela soubesse que por bem ou por mal, daria o que ele deseja...

- Lucio – respondeu, tirando os óculos escuros. Seus olhos vermelhos cintilaram. Ele achou que deveria conceder isso à moça: uma pista do que estava por vir, e o nome de seu assassino.

Ele observava as emoções passarem pelo rosto da jovem: espanto, ao ver as íris escarlates. Depois medo, que se tornou pânico enquanto ele se aproximava sorrateiramente.

- O que voce quer? – ela soltou num sussurro engasgado, praticamente inaudível, enquanto tomava consciência do que estava prestes a acontecer.

- Eu queria não ter de fazer isso... mas preciso – disse quase ronronando, a poucos centímetros do corpo da jovem. A veia em seu pescoço pulsava freneticamente, como se pra deixar o alvo mais obvio. Ela estava paralisada de medo.

- Prometo que serei rápido – murmurou, com os lábios praticamente colados no pescoço da jovem Anne.

Dela, saiu apenas um grito sufocado, enquanto os dentes afiados dele lhe cortavam a pele. Ele deliciou-se, enquanto o sangue quente descia-lhe a garganta, e se martirizava por tirar mais uma vida.

Tomou rápido, mais rápido do que devia. Enquanto se afastava do corpo da moça, seus instintos gritavam com ele, que ele deveria ter demorado mais, ou que devia pegar outro humano desatento. Ele respondia furioso “Já não é ruim o bastante, matá-la? Tenho de fazê-la sofrer? Porque não se satisfaz só com ela por essa noite?” “Só uma... por apenas esta noite...”

Carol Santos
Enviado por Carol Santos em 15/03/2010
Código do texto: T2140459
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