Venezianas Verdes, Cap. 34
Amaury já estava sentado quando Juliano chegou. A mesa ficava no calçadão contíguo à rua de pedestres na lateral do terminal rodoviário e prédio de estacionamento de veículos. O movimento dos transeuntes era enorme. Na maioria de seus rostos aquela aparência de pessoas cansadas do trabalho ou de terem que se deslocar até à cidade. No bar um ambiente de descontração e alegria. Talvez para compensar mais um final de dia de trabalho. Todos conversavam animadamente.
- Olá, figura! Há muito tempo aí?
- Dez minutinhos só. Mais um minuto e o teu tempo estaria esgotado, brincou Amaury.
- Quê isso, cara. Foi o engarrafamento de pessoas que me reteve. Mas e aí? Como vai a Laura? E a Otávia com o marido?
- Você não liga há algum tempo, hein, doutor?
- Tenho estado bastante enrolado, Amaury. Você nem imagina.
- Laura está bem. Vai me aturando. E a Otávia, pelo que sei, está indo muito bem também. Não tivemos reclamações. É muito cedo, não acha? E você? Muitas novidades?
- Existem algumas, sim. E tudo acontece de uma hora pra outra, respondeu Juliano, carregando o ar de seriedade.
- Coisa grave, cara?
- Sei que as coisas são graves no momento em que as vivemos. Estou esperando que tudo passe pra que depois, se não der pra rir, pelo menos eu reflita...
- Vai de caipirinha?
- Acho que sim. Tá meio nublado. Gosto de beber caipirinha com o tempo assim.
- Sei disso. Foi por isso que sugeri.
Juliano viu a chance de falar de algo que não tinha falado praticamente com ninguém. Sua mãe o escutara com atenção. Soubera de alguns detalhes. Mas nunca foi sua confidente. Além do mais, temeu que assuntos desse tipo viessem lhe trazer preocupações que pudessem influir em seu estado de saúde. Não eram recomendáveis para uma pessoa com mais de setenta e cinco anos. Com Herval não se sentiu seguro em ir além do que o colega de trabalho já sabia. Aprendeu que coisas do trabalho são, na maior parte das vezes, pra ficar no trabalho. E que as de casa não devem ser levadas para o escritório. Não é como na escola, em que existe o trabalho de casa.
- Mas se for coisa que te aborreça, cara, fica frio. Deixa quieto, prosseguiu Amaury.
- Não, não. Na verdade é coisa que acontece com qualquer um. Foi tudo muito de repente. Na segunda-feira passada saí com uma namorada.
- Sabia que tinha que ter mulher no meio.
- Era um caso de alguns meses que eu pretendia acabar logo, antes que desse maiores chateações.
- É isso aí. Nada melhor do que a sensação de que não estamos devendo nada a ninguém.
- Parece coisa feita, cara. Sabe o que me aconteceu?
- O marido chegou na hora em que vocês iam entrar no motel. Foi isso?
- Antes fosse. A mulher faleceu, meu irmão. Ali na cama, comigo.
- Meu Deus, quê coisa!, reagiu Amaury, mostrando-se alarmado. Pode-se dizer que isto é quase que inédito.
- Ou que quase não acontece. Ou só aconteceu porque foi comigo.
- E aí, Juliano. O quê você fez?
- Fiquei apavorado, é lógico. Mas tudo foi se arranjando. O gerente do hotel me apoiou. Parece que, na hora da chapa quente mesmo, conseguiu despistar a imprensa. Não vi se o marido dela apareceu. Mas, é claro, tive que ir à Delegacia.
- Mais duas caipirinhas?
- Pode trazer, respondeu Amaury ao garçom. Vai nessa, Juliano? Nem te perguntei...
- Tudo bem.
- Mas e então? A polícia deve estar enchendo o teu saco agora...
- Está. Vou ter que ir lá – não sei quantas vezes – para a continuação dos procedimentos. Ou do inquérito, sei lá. Falaram-me para não sair da cidade.
- Quê terremoto, hein, cara? E Bernadete? Ficou sabendo?
- Tive que contar. Fiquei com medo de que soubesse pelo jornal. Sabia que alguma notícia, por menor que fosse, sairia. Você não viu nada?
- Não vi, não, Amaury mostrava convicção na resposta. Mas imagino a reação da Bernadete. Ela, que deve reclamar paca das nossas idas aos jogos, o que não deve ter dito de tudo isso?
- Não posso ir contra ela. Qual seria a minha reação se fosse o contrário?
- Tá certo. Vocês sempre se deram bem.
- Mas não ficou porraí, não, prosseguiu Juliano. Começamos a receber ligações... ligações... em casa... me ameaçando, me... me... Ela já tinha... tinha... falado pra eu irrrr... irrr... parrra... casa..., parrra a casa... da...
- Quê é isso, Juliano? Fala direito! Ora alto, ora baixo! E com essse sotaque estranho..., disse Amaury, fingindo não notar que Juliano começava a apresentar sinais de embriaguez.
- ... parra eu irrr... pra casa... pra casa... da mãe... Pra eu darrr... darrr... um tempo... e...
- E ela? Ficou em casa recebendo as ameaças?
- Nãooo..., nãooo...! De vê estarrr... ainda com... ainda com aquela... costurrreira... vizinha nossa...
- Ah, a das venezianas verdes. De quem ela falou tanto numa das vezes em que saímos, ajudou Amaury.
- Issaímesmo!