Venezianas Verdes, Cap. 23
Comichão era escrivão com mais de 25 anos de trabalho na Polícia Civil. Figura agradável, apesar de escorregadia, era muito bem relacionado no meio policial. Mantinha azeitada a ligação entre as esferas inferiores (inspetores, agentes, etc.) e os escalões mais elevados (delegados, assessores do Secretário, etc.). Claro que estavam inclusos nesse cenário figuras de proa do crime ou seus representantes. O interesse de Comichão, coisa mais do que natural no meio policial, como de resto em qualquer setor do serviço público, era o pecuniário, a recompensa monetária, o soldo ou qualquer tipo de remuneração extra. Independente da origem.
Ele fora contratado por Percival para providenciar a eliminação física do amante da mulher do Professor de Botânica. Como tinha sido também o fornecedor, aos auxiliares de Eulália (Magno Louro e Rafael), dos detalhes pessoais do mesmo Percival. Sem que isso lhe custasse o mínimo abatimento moral. O que Comichão aprendeu desde o início que não podia existir no meio policial ou político. Onde o interesse maior, perseguido a qualquer preço, era a devida (ou indevida) remuneração (de preferência a maior possível) por um determinado tipo de serviço prestado. A par dos rendimentos oficiais do servidor.
- Eduardo?
- Fala “Comichário”.
- Tuas castanhas já estão aqui.
- Mas já?
- Isso aí. Não será preciso correr mais atrás.
- Demorô. Bom demais.
- Melhor, não é?
- Claro, valeu, respondeu Eduardo, desligando em seguida para rapidamente dirigir-se ao seu companheiro Zé Celso:
- Zé, não precisamos esquentar mais. O da castanha amarelou...
- Ué? Que qui deu nele?
- Sei lá, cara. Mas a nossa parada já tá lá com o Comichão.
- Legal. Mas é estranho, não acha?
- Quero nem saber. Alguém deve ter chegado junto. O que interessa é o cacau, completou Eduardo. O “comicha” já deve ter ficado com o dele.