Venezianas Verdes, Cap. 21
O metódico Percival de Souza Castanheira abriu seu armário na sala dos professores e guardou o jaleco. Tinha vindo apenas para os três primeiros tempos. Lecionava Botânica na Universidade Rural. Deixara os diários de classe em dia na secretaria. Juntaria o dia seguinte, sexta-feira, ao fim-de-semana. Incluiria a segunda e talvez a terça para começar a pensar no inventário. Ele e Zuleika não tinham muita coisa além do apartamento (sala/três quartos) na Zona Sul e de um terreno na Região dos Lagos. À burocracia oficial, no entanto, não escapam um monte de providências que inventam pra sacanear a gente. Usaria o breve afastamento do serviço também para estabelecer as novas rotinas para seus filhos, inesperadamente órfãos de mãe. De manhã na escola. À tarde na casa de uma de suas irmãs, tia deles, que vivia no Rio. Pelo menos até ao final do ano. E como vou arranjar um professor substituto assim de uma hora para outra? Eram problemas que o metódico Percival sabia que não poderiam deixar de ser resolvidos. E que não haviam sido criados por ele. Era justo que alguém tivesse que pagar. Não Zuleika, coitada, de quem não se pode cobrar mais nada.
Plantas baixinhas, talvez do tipo pitosporo anão, tinham sido plantadas ao longo de canteiros divisórios paralelos. Eles delimitavam as vagas para carros no espaçoso estacionamento, entre o prédio da Reitoria e a avenida principal. Não havia ninguém na guarita à entrada. O vigilante só ficava ali no horário de entrada e de saída dos veículos. Vagas à vontade. Absorto em seus pensamentos, Percival não viu o luxuoso Audi A6 preto estacionado ao lado do seu carro, tendo havido o cuidado de ser deixada uma vaga entre os dois veículos. Ao aproximar-se de seu carro, também não viu o jovem louro, meia altura, que caminhava lentamente em sua direção, ajeitando a gravata e depois abrindo o paletó.
- Professor Percival?
- Sim, pois não.
- Queremos convidá-lo pra um passeio, disse sarcasticamente Magno Louro, já de arma em punho, após ouvir a confirmação do nome.
Um toque longo e dois curtos, com a emissão de suaves frases musicais. De novo a repetição dos toques, todos bem espaçados. Que pena, não poderia ser Bernadete. Porque se tratava do celular azul de Eulália, equipamento importado com dispositivo anti-clonagem e imune a escuta telefônica cujo número ninguém no Rio sabia. Eulália foi até à sala para atender:
- Pronto!
- Gostaríamos de falar com D. Eulália.
- Quem quer falar?
- Estamos ligando por determinação do Dr. Ostinato Lia.
- D. Eulália falando. Prossiga, por favor.
- Oh, D. Eulália. O Dr. Ostinato pede-lhe desculpas por não poder falar ao telefone, pois teve que se ausentar. Deixou-nos, contudo, a incumbência de lhe dizer que suas passagens aéreas serão entregues ainda hoje em sua residência e que a suíte presidencial do seu hotel preferido em nossa cidade já está reservada, assim como o apartamento para os dois acompanhantes.
- Perfeitamente. Diga-lhe que a reunião será transferida para as 20h de sexta-feira, depois de amanhã. Não será mais às 18h, como havíamos combinado, por conta do acerto de alguns detalhes que providenciarei quando tiver chegado.
- Pois não, D. Eulália. O Dr. Ostinato já nos tinha falado a respeito. Pediu-nos também para esclarecer que a remessa integral já foi feita, sendo utilizados os mesmos serviços bancários nesse país de que nos valemos da última vez.
- Entendo. Mandarei verificar, respondeu Eulália já um pouco impaciente com a duração da ligação. Diga-lhe também, a propósito, que prefiro que a reunião seja na minha suíte. Entendido?
- Está claro, D. Eulália. Podemos garantir que não haverá qualquer problema quanto a isso. A senhora deseja fazer alguma outra colocação?
- Não, está tudo bem. Agradeço a sua atenção. Boa tarde, finalizou Eulália, praticamente sem esperar pela manifestação da atendente.