Venezianas Verdes, Cap. 19
Logo após o café da manhã, Eulália procurou o seu telefone azul, o celular especial. Bernadete tinha regressado à sua casa. Precisava vestir-se para o encontro com o diretor da clínica onde trabalharia como fisioterapeuta. Não encontrando o telefone azul, Eulália decidiu fazer uso do outro, o comum:
- Instaladora Andrade?
- Pois não.
- Sou Brígida. Liguei ontem pedindo reparo no meu box que está com infiltração. Marquei pra hoje às 9:30. Ninguém veio até agora. Pedido 0586.
- Um minuto só, por favor.
- Rafá, Rafá, acho que o bicho tá pegando lá na patroa, disse Magno Louro do outro lado da linha, abafando o fone com uma toalha de rosto.
- Atende aí e vamos logo, cara, falou Rafael.
- Ok, D. Brígida. Vamos nos atrasar um pouquinho por conta de um atendimento emergencial. Mas não deixaremos de ir pela manhã.
- Tudo bem, mas venham logo, respondeu Eulália, com a certeza de quem sabe que suas ordens serão cumpridas.
Rafael deixou o bigode de lado. Vestiu apressadamente a calça jeans e uma T-shirt com o retrato do Che, apanhou a sua Taurus PT 24/7 sobre a mesa de cabeceira e dirigiu-se à porta do quarto do hotel em que estavam hospedados. O louro, com roupas semelhantes, já o esperava com uma bolsa de mão, dessas em que se levam artigos esportivos. Na bolsa a sua Walther P38, herança de um tio seu falecido em Portugal. A arma de Rafael foi juntar-se à sua. Para todos os efeitos os dois estariam indo para alguma academia praticar exercícios físicos.
Ou para a aula de balé, como pensou o gerente do hotel atrás do balcão da recepção. As duas acordaram cedo hoje. Magno andando mais rapidamente que Rafael, o brinco de ouro na orelha esquerda e um sorriso insinuante ao passar por alguém do mesmo sexo.
Dirigiram-se a um fusca de quatro portas, estacionado numa rua lateral a uns 60 metros do hotel onde estavam. Ali colocaram as armas numa caixa de ferramentas e vestiram duas jaquetas de brim amarelo que estavam no banco de trás. Contendo às costas a inscrição Irmãos Andrade, as jaquetas eram suficientemente longas para esconder as armas que posteriormente colocariam na cintura. Estarem preparados para tudo era a imposição de um estilo de vida.
- Magno, lembra do caso que você me contou? Da moça que faleceu no quarto de um motel quando estava com o amante?
- Lembro, senhora. Motel Andróginos, se não me engano.
- Androgynie, corrigiu-o Eulália.
Rafael permanecia em silêncio, ao lado de Magno Louro no sofá de dois lugares. Cofiava eventualmente o bigode, aproveitando para ver que não o havia aparado corretamente.
- O amante da falecida é marido de uma cliente minha, a única agora, continuou Eulália. A mulher, não tendo a quem recorrer, veio me procurar em desespero. Vem recebendo telefonemas com ameaças ao seu marido.
- Muito provavelmente da parte do marido ofendido, interveio Rafael.
- O que é estranho, porque ele poderia se achar vingado, com a morte da traidora, observou Magno Louro.
- Até porque, por tudo o que a vizinha me contou, parece que não foi caso de assassinato, completou Eulália. De qualquer modo, chamei vocês aqui para que entrem no circuito e neutralizem essa ação. Estão meio sem fazer nada mesmo. Vamos restabelecer a normalidade na vida desse casal, que não tem culpa do falecimento da outra e são pessoas de vida pacata.
- Posso perguntar se a senhora já pensou em alguma coisa?, arriscou Rafael, sabendo que a resposta seria positiva.
- Bem, o nome todo do marido da falecida saiu no jornal de ontem. Que a vizinha trouxe para me mostrar e acabou esquecendo aqui.
- Com isso vai ser mole pro Comichão apurar o resto, falou Magno.
- Isso mesmo. Ele ainda está lá no... Como é que aquilo se chama? Setor de Defraudações e Pesquisa, da Civil, não é isso?
- Perfeito, senhora, respondeu Rafael com convicção. Está por lá ainda. E deve muita coisa à gente.
- Mas olha aí, meninos. Nada de extremismos. Quero tudo light. Se estiver partindo mesmo do marido da falecida, basta apenas apertar um pouquinho que ele vai entender tudo...