Venezianas Verdes, Cap. 9
Tudo acontece às segundas-feiras. Até um telefonema às 22:23, meio fora de hora. Deve se alguma ingresia..., quando a semana se inicia. Juliano diria que gosto de rimar, pensou Bernadete, dirigindo-se à base do telefone sem fio para atender o chamado. Viu o horário no relógio digital ao lado do telefone. No mesmo aparador, ao lado do relógio digital, a foto do casal em preto e branco, sob um caramanchão de bougainville, poderia sugerir paz e conforto espiritual a quem a estivesse olhando. Pela aparência de serenidade transmitida por Bernadete e Juliano. O que se coadunava com a calma que Bernadete mantinha a todo custo. Já que não era normal o marido chegar em casa após as 10 da noite. Deve ter concluído algum serviço importante e saiu com o Herval para uma cerveja. Ou resolveu jogar sinuca hoje.
- Alô!
- Oi, Berna, tudo bem?
- Ah, até que enfim. Comigo tudo. E contigo?
- Um pepino danado. Tô numa delegacia do Centro. Mas não precisa esquentar. Estou fisicamente bem. Não fui assaltado, nem nada.
- Mas o que houve então? Quer que eu vá até aì?
- Não é necessário. Devo ser liberado daqui a pouco... uma hora no máximo. Se quiser, pode ir dormir, respondeu Juliano, sabendo que a mulher iria esperá-lo até à hora em que regressasse. Quando chegar, explico tudo. Ou então amanhã de manhã.
Depois de andar de um lado para o outro no estreito corredor de acesso à sala onde estava, Juliano recebeu a notícia de que finalmente seria atendido pelo delegado de plantão. Passavam-se quinze minutos após aquela segunda-feira tétrica em sua vida. Estivera atrás de um cafezinho naquele corredor imundo. Desistiu ao notar o estado em que se encontrava a tampa da cafeteira. Já tinha visto o delegado, pois o seu escritório ficava no fundo do corredor, conforme a indicação da placa de galalite sobre a porta. Para onde se encaminhara, em algum momento, um jovem alto, claro, cheio de si, o cabelo emplastado de um creme brilhante. Vestia um terno azul-claro não muito elegante. E Juliano jurava ter visto um diminuto piercing, escondido no canto de uma das narinas de quem só podia ser o delegado. Não sabia se seria o do plantão. Usam isso pra disfarçar a sua condição de policiais. Como se os bandidos já não soubessem.
- Nosso pessoal encontrou evidências do uso de maconha e cocaína no banheiro do apartamento que vocês ocuparam, disse o jovem com o piercing no nariz, atrás de sua mesa de trabalho, mal esperando que Juliano se acomodasse do outro lado da mesa. O senhor tinha conhecimento de que ela usava drogas?
- Tinha, sim. Nunca a vi cheirando. Mas maconha, por diversas vezes.
- O senhor também faz uso?
- Claro que não. Nem sequer fumo cigarros comuns. Por isso, acredito que para não se sentir constrangida diante de mim, sempre que queria fumar ela se trancava no banheiro.
- Ela fazia uso constante de drogas?
- Não. Nossos encontros vinham rareando. Mas não tenho motivos para afirmar que ela fosse uma usuária compulsiva.
- E o senhor, se considera um usuário compulsivo?
- Acho que o senhor entendeu quando disse que não faço uso de drogas, respondeu Juliano, visivelmente agastado.
- Na verdade todos sabemos que, apesar de proibidas, as drogas são cada vez mais consumidas. E o consumo se dá nos diferentes segmentos da sociedade, continuou o delegado, mostrando-se indiferente à reação de Juliano.
- Sem dúvida. Mas as exceções existem para a confirmação das regras. Sabemos também que há muita gente que faz uso controlado dessas substâncias. Só isso explica a sua presença nas novelas de TV, à frente de empresas que dirijam ou possivelmente até em alguns cargos de expressão no governo, ponderou Juliano.
Ao ouvir a última alternativa feita por Juliano, o delegado ergueu as sobrancelhas, sem deixar de se ater ao papel que lia, enquanto fazia as suas perguntas. O que não passou despercebido por Juliano. Que continuou:
- Não sou médico, mas não acredito que tenha sido essa a causa do óbito.
Juliano surpreendia-se com a calma que demonstrava agora, bem diferente do seu estado de ânimo naquele trágico início de noite.
- É, de fato ela não foi vítima de uma overdose. São conhecidos os sinais apresentados pelas vítimas em casos de consumo excessivo, concordou o delegado. O senhor trabalha em quê?
- Sou analista de sistemas.
- Por conta própria?
- Não, trabalho para a Brown & Bownery Co., firma inglesa com escritórios de representação na Europa e América do Sul.
- Já viajou ao exterior?
- Nunca saí do Brasil.
- Está bem, Sr. Juliano. O senhor está liberado por hoje. Peço que não se ausente da cidade nos próximos vinte dias. Mantenha consigo o depoimento prestado previamente ao escrivão. Boa noite.
- Boa noite, Sr. Delegado.