Venezianas Verdes, Cap. 4
Perfeitamente feminina e elegante. Parecia estar desfilando. Também, tem a ver com quem sabe costurar. Ligo pra ela agora? Segunda-feira, 11:30, já deve estar mais do que acordada.
- Eulália? Tudo bem?
- Tudo. Quem fala?
- Sou eu, sua vizinha.
- Oi, Bernadete. Desculpe, estava meio distraída aqui com tanta costura.
- Descansa um pouco, mulher. Não está trabalhando demais?
- É uma forma de distração. E de não ficar pensando na vida. E você? Como foi o fim de semana?
- Nada de novo. Marido no jogo e eu em casa. Foi bom que fiquei pensando na vida, brincou Bernadete, lembrando-se de que Eulália tinha ocupado boa parte de seus pensamentos. Mas não vou tomar muito o seu tempo. Sabe aquele vestido que você me entregou por último?
- Sei, aquele cinza de tonalidade esverdeada?
- Isso mesmo. Lindo o tecido, não? Ele ficou meio folgado na cintura. Queria que você desse uma olhada, embora eu pudesse dar uns pontinhos...
- Nada disso, querida. Traga aqui. Pode ser que fique bom de um lado, mas prejudique o outro. Eu vejo pra você.
Seria Eulália delicada assim com todas as freguesas? Sobretudo ao falar querida, quando sua voz perdia o habitual tom distante e frio?
Pouco depois das duas e meia, como haviam combinado, Bernadete chega ao portão da costureira e aciona a campainha. Eulália não se demora muito e sai pela varandinha lateral, descendo apressadamente os dois degraus de granito. Para quem tivesse talvez 52 era uma mulher inteira. Coxas volumosas que se podia perceber apesar do vestido rodado, que ela não estaria usando se não tivesse que receber visita. A cabeleira negra cuidadosamente presa na altura da nuca como quando saltou do Audi A6 no dia anterior. Agora inteiramente sem maquiagem, à exceção do quase imperceptível vermelho que lhe realçava a grossura dos lábios. Nessa fração de segundo, Bernadete pode convencer-se de que Eulália teria alguma ascendência européia. Provavelmente italiana ou espanhola.
- Vamos entrando, vamos entrando, por favor!
- Não vou incomodar?
- Claro que não. Nós não marcamos? Trouxe o vestido?
- Tá bem aqui na sacola. Acho que você vai resolver rapidinho.
- Sentiu-se mal com ele no casamento?
- Nem um pouco. Na verdade só vim perceber quando caminhávamos pra casa.
Novamente aquela sala cheia de materiais de costura por todos os lados. Moldes, peças de vestuário e cortes de tecidos ocupavam o sofá de três lugares. No sofá de dois lugares, ao primeiro adjacente, algumas revistas de moda feminina. Em cima da mesa no canto oposto aos sofás, carretéis de linha, agulhas e alguns tubinhos que certamente continham alfinetes. Estranhamente Bernadete teve a impressão de que tudo estava mais ou menos de um jeito igual ao que observara da última vez em que ali estivera. O que a levou a lembrar-se das duas caixas volumosas que foram descarregadas pelo motorista louro. Que teriam sido guardadas no outro quarto da casa, já que Eulália provavelmente não dormiria com elas em sua suíte.
- Dançou muito na festa?, perguntou uma risonha Eulália, enquanto recebia de Bernadete o vestido.
Ela não está preocupada ou com cara de aborrecida, como às vezes a vejo, pensou Bernadete antes de responder.
- Não muito. Juliano sente-se um pouco inibido na presença de pessoas que não conhece.
- Nem sei quando foi a última vez que tive chance de dançar. Mas taí uma coisa de que gosto.
- Eu adoro. A impressão que tenho é a de que a gente fica mais leve depois que dança. Acho que as preocupações dançam também.
- Ah, ah, ah! Gostei. A mesma palavra com conotações diferentes.
- É por isso que digo que quem dança também seus males espanta, gracejou Bernadete, surpreendendo-se com o bom humor de Eulália.
- Quando era mais nova, pensei que pudesse ser bailarina. Cheguei a estudar por quatro anos. Mas aí papai faleceu e tive que interromper os estudos. Passei a ajudar minha mãe em casa, cuidando de minha irmã mais nova, e depois financeiramente, quando comecei a trabalhar numa indústria de tecidos.
Decididamente Eulália está diferente. E não sei se mais intrigante ou atraente em função desse seu bom humor de hoje. Nunca a vi falando tanto. E muito menos sorrindo dessa forma.
Sentada no sofá de dois lugares ao lado das revistas de moda, Bernadete fazia o que podia para que o bate-papo fluísse. Mas sabia que a qualquer momento ele seria interrompido pelo término do trabalho de Eulália. A costureira ocupava uma das cadeiras à mesa, bem defronte à Bernadete. Pernas cruzadas, tal como Bernadete, o vestido apoiava-se sobre uma de suas coxas. Seria inevitável a troca de olhares entre as duas, mas Eulália não largava a agulha e a linha, apesar de toda a satisfação com que conversava.
- Bem, finalmente anunciou, acho que vai resolver. Veja se ficou bom.
- Posso experimentar aqui na sala mesmo?
- Não tem ninguém aqui em casa a não ser nós duas. Deixe-me fechar as venezianas.