Venezianas Verdes, Cap. 3
Por volta de 7:30 Bernadete decidiu sair, após ter dormido por hora e meia e se entediado com o programa de domingo. Na TV aberta sempre em foco o artista principal de alguma novela em cartaz. Iria até à padaria, na pracinha no início da rua, comprar “pão quente à toda hora”. Era o que anunciavam num pequeno letreiro luminoso. Decidira surpreender o marido com um lanche de final de domingo, quando nunca jantavam, dispensando-o de levá-la de carro a um bar numa das ruas do bairro.
Ao passar pela casa de Eulália, anterior à sua em relação à pracinha, imaginou como estaria o amontoado de roupas por detrás daquelas venezianas verdes. Em construções antigas era comum as janelas darem pra rua. Os construtores de sua casa, mais nova, tinham respeitado o que se chamava de afastamento frontal, fazendo com que a casa ficasse recuada e não se confundisse com o muro da frente. Mas havia algo de poético e romântico naquelas venezianas, pensou, como em todas as janelas de frente pra rua, em paredes delimitando a calçada com os meios-fios. Talvez pelo fato de as pessoas parecerem mais românticas na janela, quando vistas da calçada.
- Quero apenas duas bisnagas e meio quilo de presunto. Ah, inclui também 400g de brigadeiro. Estão fresquinhos?
- Claro, senhora.
Bernadete não notou nada de estranho no balconista ao ouvir a palavra bisnaga. Ficou na dele, mas deve ter me achado mais velha do que pareço. Sempre me esqueço de que agora se usa baguete.
Toda a volta da pracinha, assim como a rua em que residia, era pavimentada em paralelepípedos. A vegetação teimava em imiscuir-se entre as pedras. O efeito era agradável aos olhos de Bernadete. Contribuía para a satisfação que experimentava quando pensava no bairro em que residia, um pouco afastado do centro. Raramente observava-se um caso de violência naquela área de Bento Ribeiro, o que era comum no resto da cidade. Até quando essa terra será “abençoada pelos deuses”? O Salgueiro continuava sendo a sua escola do coração, embora nada mais visse de interessante no Carnaval. E não residisse na Tijuca.
Atravessava a rua fazendo questão de pisar com leveza na vegetação entre os paralelepípedos. Pão, presunto e doces na sacola, entregue a seus pensamentos, Bernadete não viu o belo Audi A6 preto que vinha em sua direção. Deslocando-se em conformidade com a calma do lugar, o veículo pode parar há vários metros de onde ela estava. Mas não deixou de assustá-la. Ela desculpou-se meio sem jeito com um aceno e completou a travessia da rua.
Ainda na calçada, dada à lentidão do carro, pode notar o jovem louro e bem apessoado que o dirigia. No banco de trás uma mulher e um outro homem. Os dois homens de terno e a mulher... bem, a mulher parecia tratar-se de Eulália! Estaria vindo de alguma cerimônia importante? Um carrão daqueles, com motorista e acompanhante de terno! Seria seu namorado? De quem nunca falara! Não seria preciso apressar-se. Pela movimentação vagarosa do veículo, viu que logo conseguiria saber se se tratava de Eulália. Era evidente que o carro iria deixá-la em frente à sua casa.
Para evitar possíveis constrangimentos com relação a um encontro que talvez Eulália preferisse que não tivesse ocorrido, Bernadete decidiu manter-se afastada. Tendo o cuidado de ficar a uma distância que lhe permitisse a visualização perfeita da costureira. Que possivelmente já a tinha reconhecido ao atravessar a rua.
Optando por dar a impressão de que tivesse esquecido alguma coisa na padaria, Bernadete resolveu retornar. Mas pouco depois, fingindo ter achado algo na bolsa de compras, retomou a direção em que vinha. Nesse exato momento, o jovem louro saiu do Audi com duas caixas volumosas embrulhadas em papel pardo. O homem que estava no banco de trás, alto e forte como se via agora, já estava abrindo o portão de ferro da casa de Eulália. E o mantinha aberto, após a entrada do motorista, aguardando pacientemente que a costureira acabasse de sair do carro. E ela surgia, linda num vestido azul justo e levemente decotado, dirigindo-se ao seu portão. Parecia estar desfilando. Bernadete se deu conta de que nunca vira Eulália andando mo meio da rua. E a forma com que o fazia. Perfeitamente feminina. Perfeitamente mulher. Postura ereta, os sapatos de salto, na cor preta, como a da elegante bolsa que trazia. Maquiagem discreta. Tudo contribuindo para o toque sutil de elegância que aflora naturalmente numa mulher bonita. Dessa vez ela não se descuidara da aparência.
Apesar de se achar ainda surpresa com o encontro, Bernadete não deixou de notar certa preocupação no homem alto que abrira o portão. Discretamente parecia observar a movimentação ao redor do carro e em frente à casa de Eulália.