Venezianas Verdes, Cap. 1
A luz do quarto acesa até aquela hora. Será que ela estaria costurando ainda? Às duas e meia da manhã?
Bernadete e o marido vinham do casamento de Otávia, filha de Amaury. Amaury e Juliano eram amigos de infância. Tinham jogado bola juntos. Como sempre faziam, deixavam o carro no estacionamento imediatamente ao lado do imóvel anterior ao de Eulália. Como a casa onde moravam ficava duas casas após à de Eulália, tinham necessariamente de passar pela porta da costureira.
Bernadete fizera alguns vestidos com Eulália. Esse do casamento tinha ficado um pouco folgado. Seria preciso que Eulália fizesse alguns ajustes. Amanhã devo acordar tarde, mas segunda-feira cuido disso. Se deixar pra depois, acabo não fazendo.
- Você notou como o noivo parece ter cara de poucos amigos? Quase não sorriu.
Bernadete não chegou a ouvir direito a pergunta do marido. Estava intrigada com o fato de se achar de repente com vontade de ir ter com Eulália. Não exatamente por causa do vestido, que, aliás, pela primeira vez deixava de lhe cair perfeitamente bem. Até porque seria o caso de alguns apertos, o que não levaria mais do que cinco minutos nas mãos da exímia costureira. Mas porque gostava de ir até lá, apesar de sempre encontrar aquela sala com roupas por todos os lados. Mesmo que Eulália estivesse atendendo alguém ou que chegasse uma cliente de repente. O que na verdade nunca aconteceu. Simplesmente sentia-se mais calma toda vez que ia até à casa de Eulália. Talvez por observar a destreza e o afinco com que a costureira trabalhava. Talvez pelo barulhinho da máquina de costura elétrica. Ou quem sabe pela atenção que Eulália lhe dispensava, sem que para isso tivesse que interromper os trabalhos.
- O noivo? Ah, sim... parecia de fato meio preocupado. Ou foi só nervosismo, Bernadete resolveu responder, lembrando-se de qual fora a pergunta.
Havia ainda algumas outras coisas que lhe intrigavam a respeito de Eulália. Que, diferentemente da maioria das mulheres, não era de falar muito. E menos ainda se tivesse que falar de si mesma. Tinha uma filha que vivia com a tia – uma das irmãs de Eulália – na Itália, onde fazia mestrado em Economia. A garota, que devia ter vinte e três ou vinte e cinco anos, vinha sempre visitar a mãe nas férias ou em festas de fim de ano. Do marido Eulália estranhamente nunca tinha falado. Não se sabia se era viúva ou se separada. De qualquer modo, durante os quatro anos em que eram vizinhas, Bernadete nunca viu um homem chegar ou sair da casa de Eulália. Um tio, um irmão, o que fosse. À exceção, é claro, do bombeiro, do eletricista, etc.
Imaginava que Eulália estivesse na casa dos cinqüenta e dois, a julgar pela idade que dizia ter a filha. Os cabelos negros e compridos, a pele mais clara que morena, e um nariz com certa proeminência eram traços para Bernadete característicos de um biótipo europeu. Não era mulher de se exceder no trato consigo mesma. Ainda assim conservava uma postura que se podia dizer atraente.